Com a negativa de pagamento do piso da enfermagem, entidades reforçam importância da denúncia junto aos órgãos competentes

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“Sou enfermeiro da rede privada e de uma instituição pública gerida por uma Organização Social, a qual por lei, também tem a obrigação de pagar o piso agora de imediato em setembro. Infelizmente a realidade é outra, a instituição privada mudou nossa jornada de trabalho sem nosso consentimento, não pagou as férias dos funcionários que saíram este mês com reajuste e já retirou o ticket alimentação. A Organização Social citada acima, até o momento não sentou para conversar com a equipe e nem deu justificativa se vai pagar ou não. Estamos com medo e apreensivos, o nosso direito por Lei não está sendo cumprido”. Esta denúncia encaminhada ao WhatsApp Nossa Voz é o retrato da incerteza vivenciada pelos profissionais da enfermagem após a sanção do piso salarial nacional da categoria. 

As novas remunerações previstas para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, já estão em vigor desde o dia 04 de agosto e tem aplicabilidade nas remunerações pagas em setembro. 

Em entrevista ao Nossa Voz, a representante do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, Daniele Alencar, informou que a entidade já aguarda o aumento denúncias, haja vista a prática assumida por administrações de unidades particulares da cidade, em se negar a pagar os reajustes previstos baseado na tramitação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada por entidades do setor da saúde, como a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). 

“A gente viu que aumentou muito o número de denúncias e aumentará, principalmente no início de setembro porque existe sim a realidade das demissões em hospitais privados. Demissões, ameaças e decisões unilaterais de escala de trabalho, enfim, aumentando a jornada de trabalho do profissional e para não pagar  o piso. São manobras usadas pelo patronal para não fazer jus à Lei. A Lei, como já se sabe, existe e não tem o que negociar. Já foi sancionada, não há o que negociar, tem que cumprir”. 

ADI contra o piso

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7222 protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) visa suspender a nova legislação. Na ADI, o grupo aponta que pesquisa realizada junto a 85 hospitais privados em cinco regiões do país indica um aumento de custos na ordem de 88,4% com a aplicação dos novos valores correspondentes ao piso da enfermagem.

Entretanto, segundo o advogado, membro da Comissão de Direito Constitucional OAB-PE e professor de Direito do Trabalho da FTC Petrolina, Mário Cleone, alerta que mesmo enquanto aguardam o julgamento da ação, as entidades são obrigadas a pagar os salários com base no piso. “Essa ADI que foi impetrada é parte do direito que compete às entidades, mas numa primeira análise não serve como espécie de suspensão do pagamento a ser realizado. Ela é instantânea, desde o dia 04 de agosto. Se eventualmente um profissional de saúde é demitido no dia 04 [de agosto], deve fingir a nova realidade salarial para fins de pagamento desta rescisão”. 

Diante disso, Cleone orienta aos trabalhadores que formalizem as denúncias nos meios competentes para garantir o cumprimento dos seus direitos. “Por mais que a gente diga que o trabalhador tem sim o direito de exigir o pagamento conforme o piso, nós sabemos das pressões recebidas. Nós sabemos sobre o tipo de ação que é praticada, muitas vezes, de forma implícita pelo empregador. Nenhum tipo de documento que importe em renúncia de direitos tem validade. Por mais que o trabalhador assine, nós estamos diante de, primeiro, de uma coação sendo praticada e, em segundo, o Direito do Trabalho não vai tutelar jamais que um trabalhador abra mão do que lhe foi franqueado pela Lei. Portanto, em que pese a assinatura, em que pese esse tipo pressão, o trabalhador tem a sua disposição o aparato judiciário e mais do que isso, as entendidas de  representação, sejam os sindicatos,ou para além disso, os órgãos de fiscalização do poder público. Posso falar aqui do Ministério Público do Trabalho e posso trazer também as Delegacias do Trabalho”. 

Subdimensionamento

Sobre as demissões e alterações de escalas, a fiscal do Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco, Benvinda Barros, reforça a atuação do Coren na prevenção ao subdimensionamento das equipes nas escalas de trabalho. “O Coren trabalha fiscalizando o dimensionamento de pessoal, nós temos uma resolução que é do Conselho Federal de Enfermagem que faz um cálculo de dimensionamento considerando a classificação do paciente, se é um paciente crítico, menos crítico, e aí ele estabelece uma quantidade mínima para cada setor. O perfil do paciente que dirá qual é o cálculo e a gente trabalha fazendo isso e notificando. Então vamos continuar notificando e pedimos aos profissionais que façam a denúncia no site do Coren, elas são anônimas. Ele precisa preencher os dados, se idêntica, mas a gente garante o anonimato. Daí nós fazemos a notificação e conseguimos notificar esse item se houver o subdimensionamento e encaminhar para outras instâncias como o MP”, afirmou, relembrando que no site do Coren é possível denunciar. O anonimato será preservado.

“Há uma comissão para tratar desse assunto do piso, então, além dos demais órgãos (MP, DT, Sindicatos), vocês também podem fazer uma denuncia no site do Coren que existe uma comissão para estar direcionando ou respondendo e tirando dúvidas do profissional”, reforçou lembrando ainda a impossibilidade de alteração do cargo visando redução no valor a ser pago ao profissional. Ou seja, de acordo com Benvinda, enfermeiros não podem ser contratados como técnicos de enfermagem, assim como técnicos não podem atuar como auxiliares.  

Vale a pena ressaltar que, de acordo com a nova Lei, a remuneração mínima de enfermeiros deverá ser fixada em R$ 4.750,00, 70% deste valor para técnicos e 50%, para auxiliares e parteiras.

Por fim, o assessor de comunicação do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, Bruno de Melo, reforça entre as categorias que o encaminhamento dessas denúncias gera resultados. “Não temos nenhuma evidência de que está sendo pago o piso. Eu quero anunciar que a gente entrou com uma ação judicial contra a Unimed e ganhamos. Porque a Unimed está modificando a jornada de trabalho para fazer demissões e nós ganhamos na justiça. Por isso os trabalhadores precisam saber que as denúncias têm efeito, elas são importantíssimas para garantir os direitos dos trabalhadores e preservar o anonimato. Porque o que a gente quer é que as pessoas continuem trabalhando. A gente quer e luta para que as pessoas tenham os seus direitos trabalhistas garantidos”. 

Nota Unimed

Citada entre as unidades de saúde particulares que não pagam o piso salarial nacional da enfermagem, a Unimed Vale do São Francisco encaminhou a seguinte nota:

“Considerando a sanção presidencial da Lei nº 14.434 de 4 de agosto de 2022 que versa sobre o novo piso salarial da enfermagem;

Considerando que várias entidades, a nível nacional, deram entrada no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a referida Lei (ADI 7222/STF);

Considerando entidades representantes da enfermagem também ajuizaram ações como amicus curiae, visando a manutenção da Lei;

Considerando que faz parte do rito jurídico ouvir todas as partes envolvidas, dando prazos para cada ente se manifestar por escrito;

Considerando as nuances da CTL e suas garantias trabalhistas, comunicamos:

1- Assim que dirimidos todos questionamentos, a Unimed Vale do São Francisco cumprirá, como sempre, o que determina as leis vigentes”.

O espaço segue aberto às demais instituições citadas na entrevista concedida ao Nossa Voz no último dia 30 de agosto.