O TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu, em julgamento realizado em abril, que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) descumpriu a lei ao não implantar a perícia médica a distância durante a pandemia de Covid-19.
A medida pode ser considerada inconstitucional por ter desrespeitado os princípios da eficiência e da dignidade humana, diz relatório. No documento, o órgão afirma que “a não instituição da perícia por canais remotos como medida para aumentar o ritmo de realização das perícias médicas e, consequentemente, reduzir o prazo de pagamento do benefício por incapacidade temporária” contrariou artigo da lei 8.213, de 1991.
A decisão do TCU, que determina ao INSS a implantação da teleperícia para atendimento a pedidos de benefícios por incapacidade e liberação do BPC (Benefício de Prestação Continuada) pago a pessoas portadoras de deficiência de famílias carentes, é fruto de uma ação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proposta ainda em 2020.
Segundo Adroaldo da Cunha Portal, secretário de Regime Geral de Previdência Social, o Ministério da Previdência se prepara para implantar a teleperícia ainda no segundo semestre deste ano, após experiência piloto realizada em 2022, também por determinação do TCU, apresentar resultados positivos.
O ministério aguarda, segundo ele, solução legal para a medida, que esbarra em orientação do CFM (Conselho Federal de Medicina) e na resistência dos peritos médicos do INSS. Segundo o secretário, resolução do órgão ainda de 2020 diz que a “telemedicina aplicada à teleperícia é infração ética”.
O projeto-piloto da Previdência realizado no ano passado envolveu 400 perícias feitas por teleatendimento médico. Havia expectativa de que, em 70% dos casos, houvesse algum resultado com base no exame médico, fosse ele de concessão ou negativa do benefício.
“A intenção do Pmut [Perícias Médicas com Uso da Telemedicina] era avaliar se a telemedicina aplicada à teleperícia seria bem-sucedida. Esse experimento mostrou que em 94% dos casos das 400 perícias os médicos conseguiram formar diagnóstico e tomar decisão, muito acima do esperado inicialmente. Em apenas 6% dos casos o médico preferiu encaminhar o requerente para perícia presencial, mas foi porque a internet caiu”, afirma Portal.
Enquanto a nova modalidade não é implantada, o governo prepara o pagamento de bônus aos peritos médicos, que deve ser implementado por meio de medida provisória. As negociações sobre os valores, no entanto, ainda estão em andamento.
A ideia é ampliar o número de perícias de 12 para 18 por dia, e que elas sejam feitas também aos sábados. Caso seja implantada a teleperícia, o bônus teria um valor menor, mas os exames também poderiam ser realizados aos domingos e horários de contraturno, diz o secretário.
Em 2022, mutirão para realização de perícia pagou bônus de R$ 61,72 por exame. Agora, discute-se um valor maior. Hoje, segundo Portal, há uma fila de 1,050 milhão de pedidos de perícia não realizadas.
Entre março e setembro de 2020, o INSS manteve as agências fechadas em todo o país, como forma de proteção contra contaminação pelo coronavírus, com atendimento de segurados a distância para concessão de diversos benefícios, mas sem a realização de perícia médica, represando a liberação de auxílios doença e acidente, além de aposentadoria por invalidez.
Com isso, o CNJ propôs a ação. Na época, a fila de benefícios administrativos no INSS chegava a 600 mil. Na Justiça, havia mais de 200 mil processos represados, segundo os conselheiros Maria Tereza Uille Gomes e Henrique de Almeida Ávila, autores da ação. Em poucos meses, porém, atingiria quase 1 milhão de benefícios represados.
Com o fechamento das agências na pandemia, foi implantada a possibilidade de envio do atestado médico pelo Meu INSS para análise a distância, mas sem que o cidadão pudesse ser atendido por um médico online, por meio do princípio da telemedicina, como quer o TCU.
Para Henrique Ávila, ex-conselheiro do CNJ, a decisão final do tribunal vai ao encontro das expectativas do conselho na época, que era atender a população que necessitava e desafogar o Judiciário, já que o segurado sem o benefício entrava com ação contra o INSS.
“O que a decisão do TCU fez foi perenizar uma solução importante encontrada à época da pandemia, que é exatamente a utilização da tecnologia para colaborar com o INSS, as perícias médicas e, consequentemente, com o Poder Judiciário”, diz.
Bruno Dantas, presidente do TCU, diz que o tribunal cumpriu seu papel. “O TCU cumpriu o papel de fiscalização ao confirmar que houve violação legal na recusa a perícias remotas durante a época da pandemia. Esperamos que essa decisão contribua para acelerar ainda mais processos de perícia daqui em diante, sobretudo para os beneficiários do BPC, que necessitam de nossa atenção especial”, afirma.
PERITOS MÉDICOS RESISTEM À TELEPERÍCIA
Os peritos médicos do INSS resistem à implantação da teleperícia e, em comunicado em suas redes sociais no dia 10 de maio, disseram estar rompendo com o Ministério da Previdência. Dentre as queixas dos peritos estão a falta de diálogo e a falta de nomeação de diretor para a área na pasta.
Para Francisco Eduardo Cardoso, vice-presidente da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos), o INSS não foi omisso em relação à implementação da teleperícia na pandemia, o que houve foi falta de inviabilidade. “A autarquia tentou fazer isso e, em razão da total inviabilidade ética e tecnológica, não foi -e nunca será- possível concretizar a medida.”
Cardoso diz que o CFM tem “competência constitucional e legal” para disciplinar a atividade dos médicos e, neste caso, proibir a teleperícia. “É terminantemente inconcebível que o Judiciário exare alguma decisão no sentido de obrigar a implementação compulsória e arbitrária da teleperícia”, diz.
Em nota, o CFM afirma que não teve acesso à decisão do TCU e diz que não é contra a teleperícia. “Desde 2022, está em vigor uma resolução -a de nº 2.325/2022- que define e disciplina o uso de tecnologias de comunicação na avaliação médico pericial. No texto, estão descritos todos os critérios que devem ser observados para que esta atividade seja exercida com segurança jurídica e de forma ética”, diz.
O conselho afirma ainda que cabe a órgão competente implantar a medida, desde que siga as recomendações do CFM e saiba que “a responsabilidade do ato médico pericial está vinculada à autonomia profissional, com respeito à lei aos direitos sociais dos beneficiários”. (Fonte: Folhapress) (Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)