Um estudo inédito conduzido pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) está lançando luz sobre a qualidade microbiológica da carne caprina e ovina comercializada na região. A pesquisa, em andamento, é liderada por doutorandas do programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias no Semiárido e conta com o apoio do Laboratório de Microbiologia do campus sede da universidade.
A reportagem conversou com Carla Maria do Carmo Resende, doutoranda responsável pela coleta e análise das amostras, e com o professor Gomes Martins, docente e pesquisador da UNIVASF. Eles detalharam os achados preliminares da pesquisa e as implicações para a saúde pública.
Carla explica que o estudo percorreu diversos pontos de venda para coletar amostras da carne caprina e ovina:
“Esse trabalho, ele a gente fez em quatro pontos, que foi em restaurantes, abatedouro, feira e supermercados. Os nossos resultados eles são preliminares, a gente tá num processo de tabular os dados. Mas o que que a gente pode adiantar é que dentre os quatro locais, o que a gente encontrou maior contaminação foi a feira. Na feira livre. Feira livre e um dado que foi assim, não foi tão esperado porque a gente encontrou uma contaminação elevada também nos nos produtos de supermercado.”
Segundo Carla, foram analisados diversos tipos de produtos como carne in natura, buchada, linguiça, hambúrguer e a popular “cafata”. Ela destacou a preocupação com a presença de micro-organismos que podem oferecer riscos à saúde:
“Então, a gente tá pesquisando cinco bactérias, que é salmonela, é escherichia coli, Staphylococcus, mesófilos e psicotróficos. E assim, essas bactérias elas são importantes indicadores sanitários, elas são patogênicas, algumas delas. E nas feiras livres foi o único local que a gente encontrou a salmonela, que a gente encontra essa bactéria em muitos surtos. E doenças transmitidas por alimentos e na feira a gente encontrou. Foi o único lugar que a gente encontrou dentre os quatro.”
O professor Gomes Martins reforça que a pesquisa vai além dos protocolos usuais de fiscalização sanitária, ampliando os critérios para uma avaliação mais robusta:
“A vigilância sanitária, ela tem protocolos já estabelecidos. A legislação, ela vem constantemente sendo atualizada. E a gente, além do que a legislação adota, a gente adotou outros critérios, para expandir um pouco mais o nível de avaliação. Então, assim, normalmente a legislação, ela pesquisa a salmonela, porque é uma bactéria importante. É uma bactéria patogênica, ou seja, se ela tiver presente, você vai adoecer. Inclusive a gente tem Jacobina, aquela situação lá dos 400 professores que adoeceram, um até veio a óbito. Então foi salmonela ali. Então assim, é uma bactéria bastante relevante, e ela é muito comum encontrar em produtos de origem animal.”
Outro ponto sensível destacado por Gomes é a contaminação por Escherichia coli, bactéria associada à presença de fezes nos alimentos:
“A Escherichia coli é uma bactéria que é comum no trato digestivo de mamíferos e aves e ela tá associada principalmente à contaminação fecal. Então é como se fosse o indicador. A presença dela indica que aquele alimento tenha uma contaminação ali por fezes. E aí, a consequência disso é que a gente tá avaliando aí o todo a cadeia produtiva. Às vezes assim, as fezes, elas não precisam ser as fezes propriamente dita, mas o próprio manipulador que não higieniza a mão, as facas que tão sendo utilizadas ali para cortar a carne, que não tão higienizadas. A bancada que ele trabalha. Quem já teve experiência aí de comprar em feira, sabe como é que é o aspecto ali da da exposição das carnes”
O levantamento pretende ainda elaborar um mapeamento da qualidade sanitária da carne nos diversos pontos de venda, oferecendo suporte aos órgãos de fiscalização e propondo ações educativas para os manipuladores de alimentos.
“No final da nossa pesquisa, a gente vai compilar, né, todos os resultados e a gente vai passar para os órgãos fiscalizadores, indicando quais as bactérias a gente encontrou, quais foram as mais encontradas e daí a gente vai ter uma ideia de onde é que tá a falha nessa cadeia produtiva. E o nosso grupo de pesquisa a gente tem o interesse também de capacitar os manipuladores. Geralmente vem deles também, a contaminação. Então fazendo uma capacitação, indicando de onde é que tá vindo a contaminação, como tentar prevenir, dando esse incentivo para eles também, né, e para os produtores.”
Carla também alerta para os cuidados que os consumidores devem adotar em casa, especialmente em relação à higienização dos utensílios e ao risco de contaminação cruzada:
“A gente tem dois pontos aí nessa sua pergunta. Tem uma mestranda que ela fez um trabalho e ela analisou a carne crua. E cozida. A contaminação ela reduz drasticamente, mas ela não vai embora. Outro ponto também é a contaminação cruzada. Por exemplo, você compra uma carne contaminada na sua casa e você vai cortar na mesma tábua e com os mesmos utensílios que você vai fazer sua salada que não vai para o cozimento. Vai contaminar tudo então. O ovo, por exemplo, tem muita gente que já pensa em salmonela e já pensa no ovo, mas a gente pode ter essa contaminação com outros, outros alimentos.”
Com previsão de conclusão nos próximos meses, o estudo promete se tornar referência para o aprimoramento das políticas públicas de fiscalização sanitária na região do Vale do São Francisco. A expectativa é de que os resultados fortaleçam as ações educativas, preventivas e regulatórias no comércio de carnes caprina e ovina.