No município de Petrolina, um trabalho integrado entre Justiça, escolas, famílias e rede de saúde tem se destacado no enfrentamento aos comportamentos autodestrutivos entre crianças e adolescentes. À frente da Vara da Infância e Juventude, o juiz Dr. Marcos Bacelar tem coordenado uma série de iniciativas que não apenas buscam acolher os jovens em sofrimento, como também fortalecer a atuação preventiva dentro das escolas públicas da cidade.
“Primeiro, na verdade, nós temos que lembrar que há uma série de leis que tratam dessa matéria. Essas normas passaram a ter maior atenção do Governo Federal e Estadual a partir de 2016, mas aqui em Petrolina nós já nos preocupávamos com isso desde 2013, quando criamos o PREVINI. Foi um esforço embrionário, mas já buscávamos integrar a Secretaria de Saúde, a assistência social e as escolas na discussão da saúde mental infantojuvenil”, explicou Bacelar.
Uma das maiores conquistas da cidade foi a elaboração de um fluxograma pioneiro de atendimento para casos de sofrimento psíquico em ambiente escolar. Segundo Bacelar, esse instrumento é hoje uma referência nacional por organizar, de forma clara e acessível, como as escolas devem agir ao identificar sinais de risco à saúde mental de seus estudantes.
“Esse fluxograma auxilia imensamente o trabalho das unidades escolares. Imagine um professor se deparando com um aluno em situação de tentativa de suicídio. Não é justo exigir desse docente conhecimentos técnicos da área da saúde. Então, com o fluxograma, ele sabe a quem recorrer, como acionar os serviços de saúde e quando comunicar o Conselho Tutelar”, detalha o juiz.
O documento orienta que casos de urgência sejam encaminhados diretamente ao SAMU, UPA ou ao Hospital Universitário. Já situações de depressão leve, isolamento social e sofrimento psicológico devem ser notificadas ao Conselho Tutelar, que por sua vez articula o encaminhamento aos serviços de saúde mental, como o CAPS, ou, quando necessário, às instâncias de proteção de direitos, como CRAS, CREAS ou delegacia especializada.
Apesar dos avanços, o juiz reconhece que há gargalos importantes, especialmente quando os quadros de sofrimento psicológico estão associados ao uso de drogas. “O nosso maior entrave é quando o jovem, além da depressão ou da tentativa de suicídio, está em situação de drogadição. Hoje, não existe previsão legal para acolhimento compulsório de menores usuários de droga. Isso nos deixa de mãos atadas”, alerta Bacelar.
Ele cita o caso de Cauã, um adolescente de 14 anos em situação de rua, com histórico de uso de drogas e sem uma rede familiar capaz de lhe dar suporte. “Tentamos acolhê-lo, mas ele fugia dos abrigos. Sem a possibilidade de internação compulsória, acabamos assistindo à degradação de sua saúde física e mental. A sociedade precisa discutir isso com urgência.”
A articulação da rede protetiva tem sido um pilar fundamental do sucesso dessas políticas. Em Petrolina, foi criado um comitê específico para tratar da saúde mental infantojuvenil, algo ainda raro no Brasil. Em parceria com a UNIVASF, educadores vêm recebendo capacitação básica para identificar e encaminhar adequadamente os casos.
“É uma construção coletiva. A rede protetiva de Petrolina é um exemplo. Secretarias municipais, Conselho Tutelar, Defensoria Pública, Ministério Público… todos caminham juntos. Isso nos permitiu lançar recentemente a Orientação 01/2025, que oferece diretrizes claras para famílias, profissionais de saúde e educadores sobre como lidar com comportamentos autolesivos entre jovens”, acrescentou o magistrado.
Outro destaque da atuação da Vara da Infância é o projeto “Com Justiça e Cidadania, a escola fica legal”, que promove visitas periódicas às escolas para discutir temas como violência, bullying e direitos fundamentais. Embora o juiz admita uma pausa parcial nas visitas no primeiro semestre de 2025, a previsão é de retomada intensiva a partir de maio.
“Entre 2015 e 2022, vimos uma queda significativa na violência escolar. Depois da pandemia, houve um aumento preocupante de bullying e de violência emocional. Agora, estamos reorganizando nossas ações para enfrentar isso com mais vigor”, afirmou.
O magistrado também alerta para a mudança nas dinâmicas familiares e como isso influencia o comportamento dos jovens. “Hoje temos pais mais afetivos, mais presentes emocionalmente. Isso é positivo. Mas muitos perderam a noção do limite, da autoridade necessária para educar. E isso tem reflexo direto no comportamento das crianças e adolescentes”, conclui Bacelar.