Morreu na madrugada desta quarta-feira (4), aos 92 anos, a arqueóloga Niéde Guidon, referência mundial em arqueologia e protagonista de descobertas que mudaram a compreensão sobre o povoamento do continente americano. Ela estava em São Raimundo Nonato, no Piauí, cidade que adotou como lar e transformou em um dos centros arqueológicos mais importantes do mundo.
Niéde liderou por décadas as escavações no Parque Nacional da Serra da Capivara, onde foram encontrados fósseis e artefatos que, segundo suas pesquisas, indicam que os primeiros humanos chegaram às Américas há mais de 50 mil anos — o que contraria a teoria tradicional, que fixa esse processo em cerca de 12 mil anos. As evidências levantadas por sua equipe colocaram o Brasil no epicentro de um intenso debate científico internacional.
Além das contribuições à ciência, Niéde foi incansável na defesa da preservação da Serra da Capivara. Criou o Museu do Homem Americano e lutou, até os últimos anos de vida, por políticas públicas, financiamento e reconhecimento institucional. Em mais de quatro décadas de atuação, foi responsável por proteger mais de 1.200 sítios arqueológicos e por promover o desenvolvimento da região do semiárido piauiense, impactando a educação, o turismo e a economia local.
“Ela apresentou a Serra da Capivara ao mundo e marcou a nossa história como uma guardiã incansável de um Brasil ancestral”, afirmou Maéve Melo, secretária de Educação de Juazeiro, em nota de pesar. “Niéde será sempre inspiração de coragem, paixão e sabedoria.”
A Prefeitura de São Raimundo Nonato também prestou homenagem: “Recebemos a triste notícia da partida da nossa querida Niéde Guidon, uma gigante da ciência brasileira e parceira da Univasf. Como professora da Universidade, tive a oportunidade de conhecer e admirar o seu trabalho de perto. Arqueóloga brilhante, Niéde desafiou paradigmas e revelou novos caminhos para compreender o povoamento das Américas.”
Nascida em Jaú (SP) em 1923, Niéde Guidon formou-se em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP), com doutorado na França. Trabalhou em instituições de prestígio internacional antes de se dedicar quase integralmente ao Brasil pré-histórico.
Nos últimos anos, Guidon vinha alertando para o abandono do Parque Nacional da Serra da Capivara, patrimônio cultural da humanidade reconhecido pela Unesco. Ainda assim, manteve sua rotina de trabalho e seguia ativa nos projetos de pesquisa e conservação.
Niéde Guidon deixa um legado incomparável à arqueologia brasileira, à proteção do patrimônio histórico e à valorização da ciência como ferramenta de transformação social. Sua história ficará registrada não apenas nos livros, mas nas rochas e pinturas que ajudou a revelar — e nas gerações de pesquisadores que inspirou.