O câncer colorretal, também conhecido como câncer de intestino, voltou ao debate nacional após a morte da cantora Preta Gil, aos 50 anos, vítima de complicações provocadas pela doença. A comoção em torno do caso reacendeu alertas sobre os riscos da enfermidade, seus sintomas muitas vezes negligenciados e a importância do diagnóstico precoce.
Terceiro tipo mais comum de câncer no Brasil e uma das principais causas de morte entre homens e mulheres, o tumor atinge o cólon e o reto, regiões do intestino grosso. Para esclarecer sobre os sinais da doença, fatores de risco e o acesso a exames e tratamentos, a equipe do Nossa Voz conversou com a coloproctologista doutora Geórgia Barros, especialista na área. A médica foi taxativa ao destacar a importância da informação e da prevenção:
“o câncer colorretal, é o terceiro tipo mais comum no mundo. Aqui no Brasil, dados do Inca já mostram que ele é o segundo mais comum entre homens e mulheres. E é um câncer que, quando diagnosticado de forma precoce, as chances de cura são em torno de 90%. Então, trabalhar com a prevenção é a melhor medida.”
Os sintomas que Preta Gil relatou
Sobre o caso de Preta Gil, a médica explica que os sintomas estavam presentes há meses antes do diagnóstico, o que pode ter comprometido as chances de cura:
“Inicialmente eu assisti algumas entrevistas dela… Ela disse que sentia sangramento nas fezes com muco, tinha uma sensação de ir ao banheiro e não conseguir evacuar, o que chamamos de tenesmo. Essa sensação de que o reto está sempre cheio. Ela também relatou alterações no hábito intestinal, ficando até dez dias sem evacuar. Isso tudo são sinais de alerta. Outros sintomas incluem perda de peso sem motivo, dor abdominal constante, anemia inexplicada, fezes achatadas, como se passassem por um obstáculo. É fundamental que a gente observe nossas fezes, o corpo dá sinais.”
Jovens também estão em risco
Tradicionalmente, o câncer colorretal era mais comum em pessoas com mais de 50 anos, mas esse perfil tem mudado nos últimos anos:
“O que a gente via antigamente é que era uma doença tradicionalmente mais frequente acima dos 50 anos. Hoje, o guideline americano recomenda iniciar o rastreamento aos 45 anos, mesmo em pessoas assintomáticas. Mas os dados mais recentes mostram que nos últimos 22 anos houve um aumento de 51% nos casos em pessoas abaixo dos 40 anos. Isso é muito significativo.”
Estilo de vida influencia diretamente
A médica também alertou para o papel dos hábitos alimentares e de vida no desenvolvimento da doença:
“A alimentação tem um impacto direto na formação do câncer colorretal. Dietas pobres em fibras, frutas, verduras e legumes, com excesso de alimentos ultraprocessados e carne vermelha aumentam os riscos. Além disso, obesidade, sedentarismo, etilismo e tabagismo também são fatores agravantes.”
A própria Preta Gil falou publicamente sobre sentir culpa por ter se alimentado mal durante a juventude:
“Ela comentou em uma entrevista que, ao descobrir que a obesidade era fator de risco, se sentiu muito culpada. Disse que os pais eram alternativos, faziam dieta macrobiótica, e que ela juntava dinheiro para comer escondido em fast foods. Mas também ressaltou, ao final, que fez terapia e aprendeu a se perdoar, pois há pessoas com estilo de vida saudável que também desenvolvem a doença, por questões genéticas ou outras variáveis ainda em estudo.”
Acesso ao exame e dificuldades no SUS
O exame de colonoscopia é fundamental para o diagnóstico precoce, mas ainda enfrenta barreiras no sistema público:
“O SUS oferece a colonoscopia, sim. Mas há dificuldades, principalmente pelo preparo inadequado. O intestino precisa estar limpo para o exame ser eficaz. Se o preparo não for feito corretamente, há risco de não visualizar lesões. Então, isso dificulta o diagnóstico. É um exame invasivo, mas é essencial.”
Sobre a frequência ideal para realizar o exame, a doutora reforça que deve ser personalizada:
“Se o exame for totalmente normal, a gente recomenda repetir em cinco anos. Mas, se houver qualquer sintoma nesse intervalo — sangue nas fezes, dor abdominal, fezes finas, perda de peso — o paciente deve retornar imediatamente. No caso de pólipos, o tempo de repetição vai depender do tipo, tamanho e resultado da biópsia.”
Tratamentos e avanços na medicina
Quando diagnosticado precocemente, o câncer colorretal pode ser tratado com cirurgia. Mas, nos casos mais avançados, como o de Preta Gil, a luta é mais dura:
“Se o tumor estiver dentro da cavidade abdominal, a cirurgia é a principal abordagem. Quando está fora da barriga, como no caso da Preta, é feita primeiro uma radioquimioterapia, depois se reavalia e se opera. Infelizmente, nos estágios avançados, a medicina ainda tem limitações. A Preta participou de um estudo experimental, um tratamento off-label que ainda não é autorizado fora dos centros de pesquisa.”
Ela também destacou uma importante inovação brasileira no campo do tratamento:
“Temos o orgulho de ter a doutora Angelita Habr-Gama, uma das pioneiras, que desenvolveu um protocolo em que, se após o tratamento o tumor desaparecer completamente, ela opta por não operar de imediato, apenas observar. Isso já é reconhecido internacionalmente, embora no começo ela tenha sido muito criticada. Uma mulher pioneira na medicina brasileira.”