Secretária Executiva da Mulher detalha programação especial do mês, ampliação dos serviços do CEAM e os desafios na articulação entre os órgãos da rede de enfrentamento à violência

0

O mês de agosto, nacionalmente conhecido como Agosto Lilás, marca a luta contra a violência doméstica e familiar no Brasil, em alusão à promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Em Petrolina, no Sertão pernambucano, o mês chega em um momento de alerta: 1.522 mulheres já foram vítimas de violência doméstica apenas entre janeiro e julho de 2024, e três feminicídios foram registrados no município, o dobro do mesmo período do ano anterior.

Diante desse cenário preocupante, a Prefeitura de Petrolina intensifica ações preventivas e de acolhimento, especialmente através do CEAM , Centro Especializado de Atendimento à Mulher e da Secretaria Executiva da Mulher. A secretária Socorro Souza esteve no estúdio do programa Nossa Voz e concedeu entrevista detalhando a programação do Agosto Lilás, os números alarmantes da violência de gênero e os principais desafios enfrentados no atendimento às vítimas.

A secretária Socorro Souza começou destacando que a missão da pasta vai além de ações pontuais e campanhas institucionais. Para ela, o combate à violência contra a mulher exige presença contínua nas comunidades, escuta ativa e construção de autonomia para quem sofre.

“A gente não pode fazer política pública para mulher trancada num gabinete com ar-condicionado. O prefeito Simão tem nos orientado a sair, ir até onde essas mulheres estão. E onde elas estão? Nas periferias, nos interiores, nos lugares mais vulneráveis, muitas vezes com medo, caladas, sem saber que têm direitos. Nosso papel é chegar primeiro do que o agressor, é estar presente antes que vire manchete de tragédia.”

Ela ressalta que o enfrentamento não pode ser feito apenas com discursos:

“Não adianta a gente só falar de empoderamento se essa mulher não tem onde dormir, o que comer, se não tem com quem deixar os filhos ou não sabe nem onde procurar ajuda. Nosso trabalho é para dar um caminho. Acolher é mais do que ouvir. É orientar, proteger, dar ferramentas para que ela não volte para o ciclo da violência.”

Durante a entrevista, Socorro detalhou a programação da campanha em Petrolina, que inclui caminhadas, rodas de conversa, oficinas, ações itinerantes em bairros e na zona rural, além de serviços gratuitos oferecidos em comunidades.

“Esse mês é simbólico, sim, mas nosso trabalho é diário. Só que no Agosto Lilás a gente intensifica tudo: estamos nas escolas, nas unidades de saúde, nos bairros mais afastados. Vamos ter a operação ‘Chamar’, em parceria com o Governo Federal, com a Polícia Militar. Vamos montar estrutura com dois ônibus oferecendo emissão de documentos, palestras, orientações jurídicas e serviços de beleza. Isso vai acontecer na escola João Batista dos Santos, atendendo comunidades como Jardim Petrópolis, São Gonçalo e Vila Chocolate.”

No dia 22, será realizada uma grande caminhada no centro da cidade com a participação da população e entidades da rede de proteção:

“A gente vai levar a ‘Cadeira Lilás’, um símbolo que criamos para lembrar que muitas mulheres vivem com marcas físicas e emocionais da violência. Vai ser uma cadeira de rodas, em referência ao que a violência causa, e vamos distribuir cartazes nos comércios com canais de denúncia. O comércio é um ponto estratégico, porque é onde a mulher vai todos os dias e pode encontrar ali uma porta de saída.”

No dia 23, o CEAM será descentralizado e levado até a comunidade de Nova Descoberta:

“Vamos com toda a nossa equipe: psicóloga, médica, advogada, assistente social. Vamos fazer atendimento completo lá, para aquelas mulheres que não conseguem vir até a cidade. E não vamos levar só a dor, vamos levar também autoestima: vamos ter serviços de beleza, rodas de conversa e muita escuta. A mulher precisa saber que não está sozinha.”

Socorro Souza também apresentou os números do CEAM e explicou como funciona o trabalho do centro:

“Só esse ano, de janeiro até agora, o CEAM já realizou 1.011 atendimentos. Isso mostra que as mulheres estão buscando ajuda. E não é porque a violência aumentou é porque aumentou o olhar. As mulheres estão criando coragem, estão entendendo que têm direito de viver sem medo. E nosso papel é garantir que elas sejam ouvidas, acolhidas e orientadas da forma correta.”

O CEAM atende mulheres mesmo sem boletim de ocorrência registrado:

“Ela pode chegar lá sem ter prestado queixa nenhuma. A gente não julga, não força. Nosso papel é orientar. Inclusive, hoje, a mulher pode pedir medida protetiva sem precisar ir até a delegacia ou ao fórum. Se ela não souber como, nossas técnicas ajudam. A gente tem que facilitar a vida dela, não complicar.”

A secretária explicou que o atendimento no CEAM vai além da escuta inicial:

“Depois do primeiro contato, nossas técnicas fazem um acompanhamento: com 15 dias, ligam para saber como ela está, se os encaminhamentos foram feitos. Depois, novo contato com mais 15 dias. A gente acompanha intensamente durante 45 dias, e depois, de 30 em 30 dias por mais três meses. E se precisar, esse tempo se estende. A gente não deixa a mulher sozinha. Muitas não têm rede de apoio. A gente vira essa rede.”

Rede integrada ainda enfrenta desafios

Questionada sobre a articulação com outros órgãos, Socorro reconheceu avanços, mas também apontou dificuldades, especialmente com a Delegacia da Mulher:

“A Vara da Mulher tem sido uma grande parceira, muito aberta ao diálogo e pronta a resolver as demandas. A Patrulha da Mulher também faz um trabalho excelente. Mas a Delegacia da Mulher ainda precisa melhorar o diálogo. O comitê de medidas protetivas foi criado por decreto municipal e precisa do comprometimento de todos. Não é só marcar presença, é participar ativamente. Ainda há órgãos que não entenderam a urgência dessa pauta.”

A independência econômica das vítimas é uma prioridade:

“A gente está concluindo um curso de mecânica para mulheres, em parceria com o SENAI. E veja: na metade do curso, já tinha quatro alunas estagiando. Isso é revolucionário. Elas não querem mais ficar só no básico, querem ocupar espaços onde historicamente foram excluídas. Vamos buscar também cursos de mecânica de motos, porque o mercado precisa e elas querem. Hoje, liberdade financeira é o que impede muitas mulheres de voltarem para o agressor.”

Socorro fez um alerta sobre os dados da violência:

“Os números maiores estão na cidade, mas isso não quer dizer que o interior é mais seguro. Às vezes, lá a mulher nem sabe que está sendo violentada. A gente chega em lugares onde ainda impera a ideia de que o marido pode tudo. A mulher acha que tem que se calar. Por isso, levamos o projeto ‘Mais Educação, Menos Violência’ para as escolas rurais. É lá que começa a mudança.”

Ela também refletiu sobre o perfil das vítimas:

“Os dados mostram que a maioria das vítimas tem ensino médio. Mas será que é porque essas denunciam mais? E as mulheres que não estudaram, que não têm acesso? Os números contam uma história, mas a gente tem que ler nas entrelinhas. Tem muita dor que ainda está em silêncio.”

A secretária finalizou com um chamado à sociedade:“Se você conhece uma mulher que está sofrendo violência, não se cale. Ligue para o 153. A denúncia pode ser anônima. A Patrulha da Mulher é comprometida e atende com respeito. E o CEAM está de portas abertas. Mesmo sem boletim, mesmo sem provas. O importante é buscar ajuda. A gente está aqui pra isso: acolher, proteger e fortalecer.”