Câmara aprova cadastro nacional de agressores: projeto expõe condenados por violência contra mulheres

0

A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana a criação de um cadastro nacional de pessoas condenadas por violência doméstica ou sexual, que ficará sob responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O sistema reunirá nomes, fotos e dados processuais de condenados, tornando as informações públicas na internet.

A proposta, que ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e pelo Senado, é apontada como um marco na proteção das mulheres. A expectativa é que a medida ajude a reduzir a reincidência e tenha um caráter pedagógico, expondo a verdadeira face de agressores que muitas vezes se escondem atrás de uma imagem de “bom homem” no convívio social.

Para entender os impactos da medida, o Nossa Voz ouviu Socorro Lacerda, integrante da União Brasileira de Mulheres (UBM).

Ela celebra a aprovação e aponta o simbolismo da iniciativa:

“Estamos comemorando, porque cada vez que uma lei como essa é aprovada, vidas podem ser salvas. É uma voz feita por mulheres para mulheres. Essa lei tem um caráter pedagógico, mas também de desmascarar o agressor. Porque, no geral, o agressor de mulheres é um covarde, ele se esconde por trás de uma máscara.”

Segundo Socorro, a medida dá visibilidade ao que muitas vezes se restringe ao espaço doméstico:

“Muita gente olha para esse homem fora de casa e o considera uma pessoa calma, de bom caráter. Mas, entre quatro paredes, ele pode ser violento, agressivo e reincidente. Esse cadastro vai mostrar quem ele é de verdade. O rosto que parecia de príncipe encantado pode, na realidade, ser o de um sapo.”

A dirigente da UBM acredita que o cadastro pode evitar que mulheres se envolvam em relações com homens que já têm histórico de violência:

“Se uma mulher encontrar esse agressor, ela poderá conhecer o perfil dele. E geralmente esse perfil não muda. Ele traz consigo uma cultura de agressão. Então, esse banco de dados é também um alerta para que outras mulheres não entrem em relacionamentos com pessoas perigosas.”

Ela ressalta que alguns estados, como Minas Gerais e Piauí, já têm leis semelhantes:

“Em Minas, por exemplo, até o endereço do agressor é divulgado. Essa experiência mostra que a transparência funciona e dá segurança para as mulheres.”

O projeto também levanta questionamentos sobre possível exposição excessiva. Como equilibrar o direito à informação com garantias individuais?

Socorro responde:

“Essa lei foi bem elaborada, porque a imagem só será divulgada quando não houver mais recursos, ou seja, após o processo ser encerrado. Não há risco de inocentes serem expostos. E, sim, esse criminoso precisa ser conhecido porque representa ameaça a futuras relações. O cadastro, portanto, não é punitivista apenas, ele é preventivo.”

A representante da UBM ressalta que apenas punir não resolve: é preciso investir também em educação e reeducação dos agressores.

“A Lei Maria da Penha já prevê acompanhamento psicológico e medidas educativas. Nós defendemos a punição, mas, sobretudo, defendemos a educação. É preciso ensinar desde cedo que mulher não é propriedade. Dentro das escolas, essa lei deve ser apresentada como exemplo. Quando mostramos aos meninos e meninas que o agressor terá a foto exposta, a relação de respeito se fortalece.”

Ela lembra ainda da necessidade de maior celeridade nos julgamentos:

“A morosidade da Justiça é violência institucional. O cadastro só vai existir quando o processo acabar, mas enquanto isso muitas mulheres continuam expostas. Precisamos de julgamentos mais rápidos para que a lei tenha efeito real.”

O projeto prevê que os registros fiquem disponíveis por até cinco vezes o tempo da pena. Para Socorro, o ideal seria que a exposição fosse permanente.

“Eu acredito que esse cadastro deveria ser para sempre. Mas, mesmo com prazo, já é um avanço. Agora, é claro que todo ser humano deve ter chance de repensar suas atitudes. Se houver laudo psicológico atestando que não há mais periculosidade, a exclusão é possível. Mas é difícil acreditar no reincidente.”

Socorro fez questão de destacar a importância da denúncia:

“É preciso denunciar. O agressor de mulheres é covarde. Mas quando recebe um papel do juiz dizendo que não pode se aproximar, ele treme. E há um dado importante: de cada dez denúncias, oito agressores não reincidem. Isso mostra que a mulher precisa romper o silêncio.”

Ela reforça que mulheres têm direito a atendimento especializado gratuito em delegacias, varas da mulher e defensorias:

“Procure ajuda. Existe medida protetiva, existe acompanhamento jurídico. Viver em paz é um direito das mulheres e das crianças, que também sofrem com a violência dentro de casa.”