Às vésperas do feriado de 15 de Novembro e já no mês da Consciência Negra, o programa Nossa Voz recebeu nesta sexta-feira (14) o professor de História Everaldo Libório Dias, da rede privada de ensino. Durante a entrevista, ele detalhou os contextos históricos da Proclamação da República e do 20 de Novembro, data que marca a luta e a resistência da população negra no Brasil.
Logo no início, Everaldo destacou que o Brasil desejava ser república muito antes do ato de 1889, mas que o processo não teve participação popular.
“Primeiro, a república foi um movimento que não teve participação do povo, é bom contar isso. O Brasil sonhou com a república desde a era colonial, os movimentos que queriam a independência do Brasil como conjuração mineira, conjuração baiana, revolução pernambucana, todos defendiam a república, só que as circunstâncias da nossa independência mudou. A família real veio para o Brasil.”
O professor explicou que a permanência da corte no país transformou o cenário político, com o Brasil se tornando sede do Império Português por mais de uma década. Ele também recuperou episódios decisivos como o Dia do Fico, e a pressão da elite agrária contra qualquer conflito que envolvesse o povo e favorecesse a pauta abolicionista.
Sobre a proclamação em si, Everaldo reforçou que o projeto de república que se consolidou não correspondeu ao ideal dos movimentos anteriores.
“Quando chegou a República, não chegou a República como a gente queria, como o povo desejava, como participação, como mudança significativa. Houve um pacto entre militares e fazendeiros para destituir Dom Pedro II e colocar o militar no poder, que foi Deodoro da Fonseca. Os militares consolidam a república.”
Ele destacou que o novo regime ainda precisou resgatar um símbolo nacional:
“O curioso é que a república precisava de um herói. E não seria o Deodoro da Fonseca esse herói porque ele traiu a confiança de Dom Pedro II. Aí resolveram resgatar uma pessoa lá do passado, que era esquecida, que foi o Tiradentes.”
Ao comentar o 20 de Novembro, Everaldo ressaltou que o dia surgiu da mobilização do movimento negro e tem origem na morte de Zumbi dos Palmares.
“É uma data que nasce das lutas populares da comunidade negra afrodescendente e marcando a morte de Zumbi dos Palmares. Porque dia 20 de novembro de 1695 morria Zumbi dos Palmares em combate.”
Ele destacou que a data surgiu como contraponto ao 13 de Maio, considerado insuficiente pela forma como a abolição deixou a população negra sem direitos básicos, como acesso à terra, educação e profissionalização.
Também mencionou como a história oficial silenciou ou apagou figuras negras, como o caso de Machado de Assis.
“Sempre foi retratado como branco e o homem é negro. Ele é negro, mas quando se pinta ele, pinta como branco. Então, isso é uma forma de mascarar a elite entender que o maior escritor da nossa história é negro.”
Durante a entrevista, Everaldo comentou episódios históricos e expressões racistas que permanecem no vocabulário brasileiro. Ele explicou que compreender esse racismo estrutural é essencial para enfrentar o problema.
“Às vezes, quando se quer elogiar uma mulher, dizer que ela é bonita, chama ela de mulata bonita, mas o termo mulata veio do racismo. Mulata vem de quê? Vem de mula.”
Outro exemplo citado foi a expressão “meia tigela”:
“Quando o escravo cumpria a missão que o senhor determinava, recebia uma tigela cheia de comida. Quando não conseguia atingir a missão, recebia meia tigela de comida. Então, meia tigela é uma expressão que surgiu dentro do racismo.”
Ao avaliar as políticas públicas, Everaldo reconheceu avanços importantes, como o Estatuto da Igualdade Racial e a criminalização de práticas como o racismo recreativo.
Mesmo assim, ele destacou que a legislação não se materializa plenamente no cotidiano:
“O Brasil da lei e o Brasil da realidade tem uma distância muito grande. Se a gente vivesse a lei na realidade, a gente seria uma Suíça, uma Dinamarca, uma Holanda, porque nossas leis avançaram bastante.”
Para o professor, o maior desafio ainda está no campo educacional e cultural:
“O maior desafio é no campo educacional, porque a gente não muda a mentalidade assim repentinamente. É uma coisa gradual”, concluiu.



