Proibição de substâncias em esmaltes em gel levanta alerta sobre riscos à saúde: dermatologista explica impactos, cuidados e como identificar produtos

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A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir o uso das substâncias TPO e DMPT/DTMA em esmaltes e produtos para unhas em gel mudou a rotina de consumidoras, manicures e salões em todo o país. A medida veio após estudos apontarem riscos ligados à exposição prolongada, especialmente em relação à fertilidade e ao potencial cancerígeno. Para esclarecer os impactos da proibição e orientar quem usa ou manipula esses produtos, o Nossa Voz conversou com a dermatologista Dra. Nathia Machado, que detalhou os motivos da decisão, cuidados necessários e como identificar itens seguros no mercado.

Segundo a especialista, a resolução brasileira acompanha movimentos internacionais. “Eles já queriam se comunicar com as entidades de fora do Brasil, sabe? Porque já estava sendo proibido lá. E aí a decisão veio pra gente agora em outubro, em meados de outubro para o final do mês. E a gente sempre fala em medidas protetivas. No sentido de que ainda não foi totalmente provado o dano que essas substâncias podem causar, mas os estudos estão associados à diminuição da produção de óvulos e de espermatozóides e da qualidade dessa gametogênese. Então isso afeta diretamente a reprodução, a fertilidade”, explicou.

A dermatologista reforça que o tempo de exposição é um fator importante na avaliação dos riscos. “Uma coisa que você falou que é bem interessante é a questão do tempo de exposição. Isso é muito real. Quanto mais a gente é exposto, maior é a chance de dano. No caso do DMPT, o problema é o potencial cancerígeno, diferente do TPO, que está relacionado à reprodução.”

O impacto, segundo Nathia, não é igual para todas as pessoas. “Quem usa esmalte em gel ocasionalmente tem um risco menor, claro, mas não dá para dizer que existe um uso totalmente seguro. Aquele exemplo: fumar um cigarro é seguro? Não. Mas fumar uma carteira por dia é muito pior. Ainda assim, um cigarro já é cancerígeno. E hoje a recomendação é realmente não ter contato nenhum.”

Ela lembra que a Anvisa deu prazo de 90 dias para retirada dos produtos que contenham as substâncias proibidas. “O contato é para ser zero. Assim como outras substâncias que já sabemos, há muito tempo, que têm potencial cancerígeno ou prejuízo à saúde.”

Segundo a dermatologista, manicures e profissionais de beleza são as mais vulneráveis. “Elas estão em ambiente fechado, manipulando esses produtos o tempo inteiro. O risco delas desenvolverem algum problema é maior. É muito importante buscar ajuda médica. Quem teve contato frequente com TPO deve procurar o ginecologista — ou o urologista, no caso dos homens — e quem lidou com DMPT precisa começar a fazer seus exames de rastreio.”

Nathia alerta que muitas pessoas negligenciam exames essenciais. “A gente termina sendo um pouquinho negligente. Existem recomendações do Ministério da Saúde para mamografias, endoscopias, colonoscopias, exames de colo do útero… e às vezes a gente vai deixando passar. Para esse público que teve exposição constante, é importante parar, reorganizar a vida e investigar. Quanto antes descobrir, melhor.”

Como identificar esmaltes seguros

O consumidor precisa ficar atento aos rótulos. “Hoje em dia as marcas estão sendo espertas e já colocam ‘TPO free’ bem na frente, justamente para deixar claro que o produto é seguro. Mas a orientação é olhar a lista de ingredientes. Vai estar lá a sigla TPO ou DMPT. O nome completo é difícil até pra mim decorar. Então procure pelas siglas.”

Ela também comenta a dificuldade de leitura das embalagens. “Geralmente os rótulos são minúsculos, né? E se a marca já coloca que é livre dessas substâncias, evita que a gente tenha que forçar a vista.”

A ausência das substâncias compromete a durabilidade?

De acordo com a dermatologista, não. “Não são essenciais. Essas substâncias facilitavam o endurecimento do gel quando exposto ao LED, mas existem outras que fazem esse trabalho.”

Apesar disso, a orientação da especialista é clara: evitar o uso de esmalte em gel. “Sendo bem sincera, eu como dermatologista não oriento o uso. Ele traz inúmeros prejuízos. Tenho pacientes que passaram anos sem ver como as unhas deles realmente são. As pessoas entram num ciclo contínuo e têm medo de ver a unha natural feia, mas unha é um marcador de saúde. Podemos diagnosticar várias doenças por ela — inclusive melanoma, o câncer de pele mais agressivo, que às vezes aparece apenas na unha.”

Câmara de LED causa câncer? O que se sabe

Nos últimos meses, também circularam dúvidas sobre as cabines usadas para secagem do gel. “Não conseguiram associar diretamente ao câncer, não. Não há comprovação. Mas se eu estou exposta à radiação, é de bom senso me proteger. Pode usar um protetor solar ou luvinhas que deixam só a ponta do dedo de fora.”

Danos à saúde das unhas

O uso frequente compromete a estrutura da unha. “Ela fica como papel, descama, perde resistência. Além disso, impede que avaliemos doenças.”

A dermatologista reconhece que a praticidade do gel é tentadora, mas reforça que a saúde deve vir em primeiro lugar. “Entendo que, com a correria, muitas mulheres buscam praticidade. Mas às vezes precisamos aceitar que nem sempre vai dar para fazer a unha. Deixar uma semana sem esmalte é muito mais saudável do que manter algo que pode causar prejuízo à saúde.”

A especialista ainda aponta que a pressão estética aumenta a busca por soluções rápidas. “Hoje se fala muito sobre essa pressão pela imagem. Mas a gente precisa pensar no custo disso para a nossa saúde.”

A entrevista reforça que a decisão da Anvisa não é apenas burocrática: ela envolve prevenção, cuidado e informação. Para quem utiliza os produtos, a recomendação é interromper o uso e observar a composição dos cosméticos. Para profissionais, a orientação é buscar acompanhamento médico e reforçar a proteção no ambiente de trabalho.