Com a chegada das festas de fim de ano e o início das férias escolares, famílias que convivem com a guarda compartilhada começam a organizar a divisão do tempo com os filhos. As datas concentram momentos afetivos importantes, como ceia de Natal, Réveillon e viagens e, quando não há planejamento prévio, podem se transformar em foco de estresse. Para orientar pais e mães sobre o que diz a lei, como prevenir conflitos e qual é o papel da Justiça nesses casos, a advogada Vitória Santos, especialista em Direito de Família, explica os principais pontos de atenção.
Segundo a advogada, dezembro costuma ser o período em que mais surgem dúvidas e disputas por causa da programação familiar. Isso porque, além de reunir celebrações tradicionais, o mês marca a pausa das aulas, o que aumenta o tempo livre da criança e, consequentemente, a necessidade de organização entre os responsáveis. “No fim de ano, além das festividades de Natal e Réveillon, também existe a questão das férias escolares. Então, quando pai e mãe antecipam como vai ser a gestão desse período, quem estará com a criança, onde ela vai passar determinados dias, como será a logística entre os dois lares, os conflitos diminuem bastante. É uma época em que as famílias materna e paterna normalmente se reúnem, e isso só reforça a importância de planejar com antecedência”, afirma.
Ao falar sobre o que deve ser levado em conta na divisão das datas, Vitória destaca que o ponto central é o bem-estar da criança. Para ela, esse conceito vai além da preferência dos adultos ou da tradição familiar de cada lado. “O bem-estar da criança está diretamente ligado ao ambiente em que ela convive e à forma como ela é tratada nesses espaços, tanto no ambiente materno quanto no paterno. Então, quando falamos de dividir Natal, Ano Novo e férias, precisamos olhar para onde essa criança se sente acolhida, onde ela costuma passar essas festividades, como ela reage a mudanças de rotina. Levar isso em consideração ajuda a manter a experiência dela mais leve, mesmo quando existe alternância entre casas”, explica.
Vitória também chama atenção para uma confusão comum entre famílias: a diferença entre guarda compartilhada e regulamentação de convivência. Segundo ela, muitos pais acreditam que ter guarda compartilhada significa que a criança deve estar dividida fisicamente entre as casas de forma igual, quando na verdade a guarda se refere ao poder de decisão. “A guarda compartilhada diz respeito aos poderes que o pai e a mãe têm sobre as decisões da vida da criança, escola, saúde, rotina. Já a regulamentação de convivência é outra coisa: é o tempo que cada um vai ficar com ela. São dois instrumentos distintos. Por isso, antes de qualquer conflito, o recomendável é buscar a Justiça para fixar essa convivência. Quando existe uma regulamentação clara, a alternância entre os lares se torna mais tranquila e todos compreendem melhor o cotidiano da criança, que é sempre o foco principal.”
Quando o assunto chega ao Judiciário, a especialista explica que o juiz leva em consideração os mesmos critérios: rotina e bem-estar da criança. No entanto, há um entendimento consolidado quando o tema são as festas de fim de ano. “O juiz costuma entender que a criança tem direito de passar essas datas com ambos os genitores. Por isso existe a alternância: um genitor passa o Natal, o outro passa o Réveillon, e no ano seguinte inverte. É uma forma de garantir que a criança conviva com as duas famílias nesse período, que costuma ser muito afetivo e simbólico”, explica.
A advogada lembra, porém, que muitos problemas surgem justamente quando não há regulamentação judicial da convivência. Isso impede que o responsável prejudicado procure ajuda formal. “O que a gente observa muito é: a família não fixa judicialmente, chega dezembro, acontece um conflito, e não há para onde recorrer. Quando existe decisão judicial, se um dos genitores descumpre o combinado, a outra parte pode acionar o Conselho Tutelar ou o juiz de plantão para garantir que aquela criança seja entregue conforme o que foi decidido — seja Natal, Réveillon ou qualquer outra data. A Justiça não serve apenas para resolver conflitos, mas também para prevenir”, destaca.
Outro ponto que costuma gerar dúvidas são as viagens, especialmente em férias prolongadas. A advogada esclarece que viagens nacionais podem ser feitas livremente pelo genitor responsável durante seu período de convivência, mas ele não pode ultrapassar a data de início do período do outro responsável. “Se o pai vai ficar com a criança de 23 a 25 de dezembro, ele pode viajar dentro do país, mas precisa devolver a criança no dia 26, porque é quando começa o período da mãe. Não precisa de autorização para viajar no território nacional, mas eu sempre digo que é um gesto de bom senso avisar o outro genitor sobre o destino, hotel e contatos, por uma questão de segurança e cuidado mesmo.”
Já para viagens internacionais, a regra é diferente. A autorização de ambos os pais é obrigatória. “Existe um formulário específico que deve ser assinado pelos genitores e reconhecido em cartório. Quando um dos pais se recusa a autorizar, entramos com o chamado suprimento judicial. O juiz analisa o caso, verifica os dias de ida e volta, e pode autorizar a viagem no lugar do genitor que não assinou. Esse é o pedido mais comum quando se trata de viagem internacional”, explica.
Além das questões jurídicas, Vitória reforça a importância de preparar a criança para a alternância nas festas de fim de ano. Ela destaca que o maior desconforto acontece quando a criança se sente visitante em uma das casas, e não pertencente aos dois lares. “As pessoas costumam falar em ‘regulamentação de visitas’, e isso reforça a ideia de que a criança está apenas visitando um dos pais. Quando ela entende que tem dois lares — um na casa da mãe e outro na do pai — tudo vira parte da rotina. Ela sabe que vai passar um período com cada um, que vai ver avós, primos e tios dos dois lados. E isso reduz muito o impacto emocional”, afirma.
Para a advogada, o ponto central é sempre o mesmo: comunicação, organização e foco no bem-estar da criança. “Quando os adultos têm clareza sobre o que foi combinado e quando a criança se sente pertencente aos dois ambientes, a convivência flui muito melhor — inclusive no fim do ano.”



