Em meio ao anúncio de uma megacampanha de imunização, o Ministério da Saúde confirmou na terça-feira (16/11) que todos os brasileiros que tomaram a vacina da Janssen precisarão receber uma segunda dose desse mesmo produto e aguardar cinco meses para a aplicação da terceira dose, que deverá ser preferencialmente do imunizante da Pfizer.
O esquema tem levantado muitas dúvidas entre a população e algumas críticas entre os especialistas, que chamam a atenção para o fato de outras partes interessadas no assunto, como a Anvisa e a Janssen, não terem sido consultadas.
Em alguns lugares do mundo onde essa vacina está aprovada, já existem diretrizes sobre a necessidade de reforço, mas num esquema diferente do que foi definido no Brasil.
Nos Estados Unidos, por exemplo, desde 20 de outubro todos os indivíduos com mais de 18 anos que receberam o imunizante da Janssen têm indicação para tomar, dois meses depois, uma segunda dose de vacina, que pode ser da própria Janssen, da Pfizer ou da Moderna.
“A necessidade de uma segunda dose da Janssen já era certa, mas não conheço nenhum outro país do mundo que orienta essa segunda dose e já agenda uma terceira para cinco meses depois”, observa a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Entenda a seguir como as autoridades brasileiras chegaram a essa decisão e as evidências científicas disponíveis até o momento sobre a necessidade de doses de reforço para quem tomou Janssen.
O fato de conferir proteção com uma única dose deu à vacina da Janssen uma vantagem produtiva e logística. Afinal, é muito mais fácil avançar na campanha e resguardar o maior número de pessoas com apenas uma aplicação.
Nos testes clínicos de fase 3, que serviram de base para a aprovação emergencial em vários países, esse imunizante obteve uma eficácia de 75% contra casos mais graves de covid-19.
Porém, a chegada de novas variantes do coronavírus e a progressão dos meses após a vacinação levantaram dúvidas se essa imunidade pós-vacinação poderia se enfraquecer.
Foi justamente para avaliar isso que a Janssen fez uma análise de efetividade de vida real, que comparou, entre março e julho de 2021, 390 mil pessoas que haviam recebido a vacina da farmacêutica e 1,5 milhão de indivíduos que não foram imunizados.
A pesquisa mostrou que o imunizante de dose única até mantinha um boa efetividade contra a hospitalização e morte por covid, mas era possível aumentar ainda mais essa proteção com a aplicação de um reforço.
Segundo os dados da Janssen, dar uma segunda dose dois meses após a primeira aumenta em quatro a seis vezes o nível de anticorpos.
O médico José Cassio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, ressalta que essas adaptações e mudanças no esquema vacinal são esperadas.
“Essas modificações são naturais, uma vez que falamos de uma doença relativamente nova e precisamos entender a epidemiologia, o surgimento de novas variantes do vírus e os estudos de efetividade das vacinas”, diz.
“O acúmulo desse conhecimento gera aperfeiçoamentos nas campanhas de imunização, com o objetivo de aumentar a proteção de todos”, complementa o especialista, que ajuda no planejamento dos esforços de imunização no Brasil desde a epidemia de meningite, nos anos 1970.
A decisão de tomar a terceira doee pegou algumas instituições e a comunidade acadêmica de surpresa.
A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre, explica que não há evidências científicas que justifiquem a terceira dose nesses indivíduos — o reforço, para quem recebeu a vacina da Janssen, já está na segunda dose aplicada dois meses depois.
“O que o Ministério da Saúde fez foi criar uma fórmula deles. Nenhum estudo fez exatamente isso [2 doses de Janssen com intervalo de dois meses + 1 dose de Pfizer cinco meses depois]”, analisa.
“Pode ser que [a estratégia] funcione, mas por ora ela é baseada no achômetro”, completa.
Que fique claro: os especialistas não lançam dúvidas sobre a efetividade das vacinas ou a necessidade de doses de reforço no geral, mas questionam a situação específica que envolve o imunizante da Janssen e a necessidade de indicar uma terceira dose nesse caso, uma vez que a segunda dose já é considerada como reforço em outros países.
(BBC)