A cesta básica já não dá conta do básico

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As famílias brasileiras voltaram a lidar com um antigo conhecido: a falta de comida no prato.  Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional  (Penssan), 116,8 milhões de pessoas no país se encontram em situação de insegurança alimentar, ou seja, mais da metade da população. O Brasil não registrava dados como esse há  17 anos. A pandemia e seus impactos econômicos têm um peso grande neste contexto, mas  o coronavírus está longe de ser o único motivo da insegurança alimentar no país. 

De um lado, temos a precarização dos modos de trabalho, que coloca a maior parte das  famílias brasileiras em uma situação de instabilidade econômica e social. Esse cenário já vinha  se desenhando há alguns anos e foi agravado com a pandemia da Covid-19: chegamos a 14,7%  de taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2021, o maior índice desde o início da série  histórica, em 2012. A taxa de informalidade no mercado de trabalho também é alta: 39,6%  da população ocupada são trabalhadores informais, um total de 34 milhões de pessoas.

Do outro lado, temos um aumento dos preços de diversos itens de consumo, principalmente  dos gêneros alimentícios, causado pela alta do dólar e pelo aumento da demanda por  produtos agrícolas no cenário internacional. O resultado? Preços nas alturas e uma população  com cada vez menos poder de compra. A situação é similar em diversos países da América  Latina, que têm visto a insegurança alimentar crescer vertiginosamente.

No Brasil, enquanto a fome se alastra de norte a sul do país, as políticas que levam à  população uma nutrição mínima se tornam novamente protagonistas e, por vezes, a principal  fonte de alimento para muitas famílias. Nesse contexto, a cesta básica tem ganhado  centralidade no combate à fome, seja por ações governamentais, iniciativas privadas ou  projetos solidários.

O país mudou. Os problemas também. Mas a composição da cesta básica não foi atualizada. “Como havia uma desnutrição calórica, foi colocado muita proteína, muito óleo, e uma quantidade bastante grande de carne, que hoje em dia é algo para ser revisto. A gente continua tendo problemas de pessoas com desnutrição, mas, ao mesmo tempo, também temos pessoas com sobrepeso e obesidade, principalmente nas camadas mais pobres”,  explica Flávia.

Mesmo com suas defasagens nutricionais e até em termos de custo – a cesta básica poderia,  de acordo com Flávia, incluir uma variabilidade sazonal de frutas e verduras e diminuir os itens que são industrializados mantendo um custo igual ou menor que o atual – é impossível  deslocar a cesta básica de um protagonismo na discussão da segurança alimentar, embora também seja necessário integrá-la a outras iniciativas, como políticas públicas de subsídio  alimentar para estudantes e trabalhadores e outras propostas que visam à redistribuição de renda.

“A composição da cesta básica continua sendo muito central por conta da cultura. É fácil as pessoas entenderem o que ela representa em termos do cotidiano. Essa centralidade vem  não só da crise sanitária e econômica, mas da população saber o que isso representa para a sobrevivência diária. As pessoas querem ter um emprego, uma renda e a sobrevivência garantida. O mais básico que a gente consegue quando pensa na soberania cotidiana é a alimentação”, afirma Flávia.