“A lei é um avanço, mas precisamos educar a sociedade”, diz advogada Isabela Lessa sobre aumento da pena do feminicídio

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Entrou em vigor a lei que eleva a 40 anos a pena para o crime de feminicídio — o assassinato de mulheres em contexto de violência doméstica ou de gênero. Publicada no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (10), a Lei 14.994, de 2024, foi sancionada sem vetos pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, a pena para os condenados por feminicídio passa a ser de 20 a 40 anos de prisão, maior que a pena para homicídio qualificado, que varia de 12 a 30 anos de reclusão.

Em entrevista à nossa equipe, a advogada Isabela Lessa, especialista em Direito da Mulher e Família, abordou as implicações dessa nova legislação e a necessidade de uma análise mais profunda das causas que levam ao feminicídio no Brasil.

“Temos um problema gravíssimo, somos o quinto país que mais mata mulheres no mundo. E lamentavelmente, sabemos que esse é um crime subnotificado. Muitas vezes, as vítimas sequer se percebem como vítimas. Há uma demora em acionar a rede de apoio, porque o feminicídio geralmente não é um crime que ocorre em um rompante. Ele é, muitas vezes, anunciado. Dá sinais. Vem de um ciclo de violência já instaurado dentro de uma relação”, explicou Isabela.

Segundo a advogada, o aumento da pena é um passo relevante, mas não é suficiente. “É claro que criar um crime autônomo e classificá-lo como hediondo é um avanço. Ser um crime hediondo significa que não será passível de fiança, graça ou indulto. Nosso sistema jurídico está deixando claro que não tolera e não perdoa esse tipo de crime. No entanto, precisamos discutir as bases desse problema. O feminicídio está enraizado no machismo, na misoginia e na objetificação das mulheres, que são tratadas muitas vezes como propriedades.”

Lessa destacou que o feminicídio tem raízes profundas nas relações sociais desiguais e na violência de gênero. “Durante muito tempo, o feminicídio não era um crime autônomo. Era tratado como um homicídio contra a mulher, com base na violência de gênero. O problema é estrutural. A mulher é vista como menos valiosa que o homem. Enquanto não rompermos com essa base, não conseguiremos enfrentar de fato a origem do feminicídio.”

Outro ponto abordado por Isabela Lessa foi a necessidade de políticas públicas que fortaleçam a proteção às mulheres e melhorem a resposta do sistema de justiça. “As mulheres que acionam a rede de proteção conseguem, muitas vezes, evitar se tornarem vítimas de feminicídio. Há um mito de que denunciar não adianta, mas os dados mostram que quem denuncia e busca ajuda pode, sim, se proteger. O problema é que muitas mulheres perdoam os primeiros sinais de violência, como gritos, socos na parede, ou até o primeiro tapa. Quando esses sinais são ignorados, o ciclo de violência tende a escalar até o feminicídio.”

A advogada ainda apontou a importância das varas e delegacias especializadas em violência doméstica. “Em Petrolina, temos uma vara especializada, mas precisamos de mais delegacias especializadas e servidores públicos treinados para acolher as vítimas. Muitas mulheres não conseguem romper o silêncio por falta de acolhimento adequado. A violência doméstica é um problema de saúde pública, e precisamos de políticas públicas concretas para combatê-la.”

Sobre o endurecimento das penas, Isabela pondera: “Apenas aumentar a pena não resolve o problema. É necessário discutir a sensibilização da sociedade e entender as raízes do machismo. O sistema repressivo é vital, mas o preventivo é igualmente importante. Temos que atuar nas duas frentes. A lei é um avanço, mas precisamos educar a sociedade e o sistema de justiça para garantir que conceitos ultrapassados, como a ‘legítima defesa da honra’, não sejam mais aceitos. É absurdo que o STF tenha que se posicionar sobre isso, mas é necessário.”

A nova legislação também amplia as punições para o descumprimento de medidas protetivas. “Há um mito de que essas medidas não funcionam, mas a realidade é que elas podem salvar vidas. Além disso, o protocolo de perspectiva de gênero, adotado pelo judiciário, visa educar magistrados e promotores para que não usem preconceitos de gênero nos julgamentos”, ressaltou.

Para Isabela Lessa, a luta contra o feminicídio vai além das penas mais duras. “Precisamos reconhecer que todas as mulheres são vulneráveis em nossa sociedade, e o lugar onde elas mais estão em risco é dentro de suas próprias casas. O feminicídio é uma questão que desrespeita toda a sociedade, e é um problema de saúde pública. O endurecimento das penas ajuda a dar um recado claro: não toleramos violência de gênero.”

Ao finalizar a entrevista, a advogada reiterou a importância de um acolhimento sensível e eficaz às vítimas. “Nós, enquanto sociedade, precisamos ser uma rede de acolhimento para todas as mulheres. Muitas vezes, a vítima não tem coragem de romper o ciclo de violência, e quando busca apoio, ela ouve que ‘ele é assim mesmo’ ou ‘ele é um bom pai’. Isso dificulta o rompimento. Precisamos aprender a apoiar e proteger essas mulheres, não apenas com penas mais duras, mas com solidariedade e compreensão.”

A Lei 14.994/2024, conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, também aumenta as penas para crimes como lesão corporal, injúria, calúnia e difamação quando cometidos em contexto de violência contra a mulher.