Advogado analisa decisão do STF que torna Bolsonaro e aliados réus e comenta próximos passos do processo

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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados réus em um processo relacionado a uma suposta trama golpista. Os ministros acolheram a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), dando início a uma ação penal contra o que foi chamado de “núcleo crucial” da tentativa de golpe.

Bolsonaro passa, assim, a responder criminalmente por acusações como liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Durante o processo, haverá a realização de diligências, coleta de provas e depoimentos. Caso condenado, a Primeira Turma do STF definirá a pena, levando em conta fatores como idade e antecedentes.

Para entender a decisão e seus desdobramentos, o programa Nossa Voz entrevistou o advogado Mário Cleone, que analisou os aspectos jurídicos da ação penal.

Etapa preliminar e admissibilidade da denúncia

Cleone destacou que a decisão do STF representa apenas o início do processo.

“Na verdade, nós estamos aqui observando uma etapa preliminar dentro de um processo criminal que agora está devidamente triangularizado, está devidamente formalizado, consistente em observar se a denúncia apresentada pelo órgão de acusação, nesse caso, estamos falando aqui da Procuradoria-Geral da República, possui elementos mínimos de materialidade, se apresenta também uma descrição clara dos fatos que serão objeto dessa acusação.

Então, o que foi decidido ontem pela Primeira Turma do STF foi nada mais, nada menos do que verificar se a denúncia criminal, sob o ponto de vista jurídico, formal e material, atende aos requisitos previstos na lei, para que, a partir daí, os ministros que vão atuar aqui como julgadores tenham condições de avançar no processo criminal.”

O advogado explicou que, com essa decisão, Bolsonaro e outros sete indiciados passam oficialmente à condição de réus e que agora terão garantidos seus direitos constitucionais, incluindo o contraditório e a ampla defesa.

Divisão da denúncia e próximas fases do processo

Cleone também abordou a estratégia da PGR ao dividir a denúncia em núcleos, sendo este considerado o “núcleo crucial”, envolvendo os supostos mentores intelectuais das condutas investigadas.

“A estratégia da Procuradoria da República foi a de dividir uma grande denúncia. Ela foi fatiada, como é dito pelos juristas, em núcleos. Esse núcleo aqui é dito como núcleo crucial, o núcleo mais importante, que envolve os mentores intelectuais de uma série de condutas criminosas que estão sendo investigadas, que serão analisadas pelo STF.

Nesse momento, finalizada essa etapa que envolve a admissibilidade da denúncia, seguimos para uma segunda etapa, que terá toda sua complexidade porque envolve a ouvida de testemunhas das duas partes, sejam da acusação, sejam da defesa. No processo criminal, temos a particularidade de que estamos diante de oito réus e que cada réu, para cada conduta criminosa que lhe foi imposta, possui a liberalidade de escolher até oito testemunhas.”

O advogado explicou que o julgamento ainda passará por diversas fases, incluindo oitivas de testemunhas e depoimentos dos réus.

Cleone também foi questionado sobre a possibilidade de medidas cautelares, como prisão preventiva ou uso de tornozeleira eletrônica. Ele enfatizou que, até o momento, não há elementos suficientes para tal pedido.

“Esse desejo, muitas vezes a sanha persecutória do brasileiro, acostumado com eventuais marmeladas judiciais, faz surgir um sentimento de eventual prisão. Mas é importante termos muita cautela. Existem requisitos próprios previstos dentro do Código de Processo Penal para indicação de uma eventual prisão preventiva. E num primeiro momento, em que pese os debates acalorados, não estamos enxergando qualquer dos elementos.

Por exemplo, não temos aqui nenhum tipo de informação de risco de fuga de qualquer dos réus, nenhum tipo de obstáculo à investigação criminal. Óbvio que, e aí é importante, no desenvolvimento dessa etapa processual, se restar comprovado qualquer tipo de coação ou atividade que dificulte a instrução criminal, aí sim, poderemos ter algum pedido de prisão preventiva ou medidas restritivas, como proibição de contato com determinadas pessoas, restrição de acesso a espaços ou até mesmo o uso de tornozeleira eletrônica.”

Ao ser questionado sobre as críticas de apoiadores de Bolsonaro quanto à força das provas apresentadas pela PGR, Cleone destacou que a delação do tenente-coronel Mauro Cid não é a única base da denúncia.

“Sempre é interessante que façamos essa adequada divisão e respeitemos a livre opinião dos legisladores, na medida que fazem parte da base de sustentação do agora réu, Jair Messias Bolsonaro. Mas é imprescindível observar que, imaginando um cenário de julgamento imparcial e justo, a denúncia criminal precisa trazer elementos de prova que garantam indícios mínimos de autoria.

Eu ouvi atentamente um determinado legislador indicar que apenas a delação do Mauro Cid teria servido de prova, o que é uma informação equivocada. A delação do Mauro Cid foi o início, a ponta do iceberg de um vasto conjunto de provas apresentadas.”

O julgamento deve se estender ao longo do ano, com expectativa de avanço antes do período eleitoral.