Audiência pública em Petrolina debate dignidade humana e enfrentamento ao tráfico de pessoas

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A Câmara de Vereadores de Petrolina sedia, nesta terça-feira (2), uma audiência pública com o tema “O Ser Humano Nasce Para Ser Livre”, promovida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6). O encontro contou com a presença do corregedor do TRT, desembargador Paulo Alcântara, e da secretária executiva de Direitos Humanos de Pernambuco, Gláucia Andrade.

O evento discutiu a dignidade humana, as garantias constitucionais do trabalhador e o papel da Justiça do Trabalho na defesa das liberdades e dos direitos fundamentais. O foco principal, no entanto, foi o enfrentamento ao tráfico de pessoas, crime que afeta milhares de brasileiros todos os anos e que, segundo especialistas, precisa ser tratado de forma articulada entre poder público, sociedade civil e órgãos de segurança.

Durante a entrevista ao programa Nossa Voz, o desembargador Paulo Alcântara destacou a gravidade da situação no Brasil. Segundo ele, 756 mil pessoas desapareceram nos últimos dez anos em território nacional, sem que se saiba o destino da maioria delas. Apenas em 2024, foram 81 mil casos, acima da média histórica anual, que girava em torno de 70 mil.

“O que eu posso dizer, sem querer assustar as pessoas, é que nos últimos 10 anos 756 mil pessoas desapareceram no Brasil. O que aconteceu com elas? Ninguém sabe. O pior é que na semana passada tivemos o Dia Nacional e Mundial dos Desaparecidos e uma reportagem mostrou que em 2024 foram 81 mil pessoas, ou seja, saiu da média que era em torno de 70 mil nos últimos anos. Estamos conversando com a Universidade Federal para ver se fazemos uma pesquisa qualitativa sobre essas pessoas. Quem são? Qual a idade delas? Qual a qualificação profissional, o nível educacional, onde moram? Hoje só temos números absolutos e precisamos investigar mais profundamente essa realidade.”

Prevenção é a palavra-chave

Para Alcântara, a prevenção é a principal ferramenta para frear o tráfico de pessoas. Ele ressaltou que o crime costuma se aproveitar da vulnerabilidade social de jovens e adultos em busca de oportunidades de ascensão profissional.

“Muitas pessoas não sabem o quão perto estão de serem vítimas de tráfico de pessoas. Muitas jovens, principalmente, querem uma oportunidade, querem se desenvolver, ganhar dinheiro, ter uma promoção. Só que, muitas vezes, a possibilidade de um sonho se transforma em um terrível e horrendo pesadelo. O tráfico de pessoas é um crime cruel porque vende sonhos. E a melhor maneira de combater isso é prevenindo.”

O desembargador também citou casos reais.

“No mês passado ajudamos no resgate de uma jovem de Pernambuco que estava, em Myanmar, no sudeste da Ásia. Ela tinha pouco mais de 20 anos e estava sendo explorada. São histórias assim que mostram a importância da prevenção. Ninguém deveria passar por isso.”

“Tudo começa pelo passo de compreender”

Representando o governo do Estado, a secretária executiva de Direitos Humanos, Gláucia Andrade, reforçou que o tráfico de pessoas não é uma realidade distante, como muitos acreditam, mas uma questão cotidiana. Ela destacou que parte da população ainda associa o tema a novelas ou filmes, o que gera um falso distanciamento da gravidade do problema.

“A gente costuma dizer que tudo começa pelo passo de compreender. O tráfico de pessoas gera muita curiosidade, porque as pessoas associam a novelas e filmes, como se fosse algo distante. Muitos lembram, por exemplo, da novela Salve Jorge, que tratava do tráfico internacional. Mas quando o TRT, junto com a Câmara de Vereadores, promove um debate e convida a sociedade para conversar, percebemos que a identificação passa por um tripé muito simples: recrutamento, enganação e exploração. Primeiro vem o convite ou a promessa, depois a ameaça ou o engano, e por fim, o objetivo final, que é sempre a exploração, seja de trabalho escravo, exploração sexual ou outras formas. É um crime cruel porque vende sonhos, e a prevenção começa pela informação.”

A secretária ressaltou ainda que Pernambuco já possui uma rede interinstitucional de enfrentamento ao tráfico de pessoas, que reúne órgãos estaduais, federais e municipais.

“Nós temos hoje um comitê interinstitucional que reúne Polícia Federal, TRT, secretarias de Estado e outros órgãos para debater o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Também temos uma equipe multidisciplinar, instituída pela governadora, com advogados, psicólogos e assistentes sociais. Esse trabalho conjunto é fundamental porque o tráfico de pessoas é uma violência que só pode ser combatida de forma articulada. O nosso papel é acolher as vítimas e garantir que a rede de direitos humanos funcione de maneira eficaz.”

Fórum permanente de gestores

Gláucia também aproveitou o espaço para anunciar a realização do Fórum Permanente de Gestores Municipais de Direitos Humanos, que será realizado pelo governo de Pernambuco em Recife. O objetivo é integrar municípios, Estado e sociedade civil para fortalecer políticas públicas de proteção e prevenção.

“Esse fórum nasce justamente para estreitar o relacionamento que já temos com as cidades e discutir estratégias de acordo com a realidade de cada município. Muitas vezes, enfrentamos entraves como a falta de acesso à informação sobre determinados programas. É importante lembrar que, embora alguns projetos sejam sigilosos, a rede precisa saber como acionar e como acolher as vítimas. O enfrentamento ao tráfico de pessoas, por exemplo, muitas vezes termina com a repatriação em nível federal. Mas depois disso, o acompanhamento é responsabilidade dos municípios, que precisam estar preparados. Esse fórum vai servir justamente para alinhar essas estratégias e garantir que nenhuma vítima fique desassistida.”

Cartilha educativa em formato de cordel

Um dos pontos altos da audiência foi o lançamento de uma cartilha educativa em formato de cordel, elaborada pelo TRT em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência ligada à ONU. O material reúne informações sobre prevenção, formas de denúncia e diferentes tipos de exploração.

“Eu tenho um amigo cordelista, o Alan Sales, e pedi a ele que escrevesse sobre o tráfico de pessoas. Já fizemos quatro cordéis, e este foi submetido à OIM, que aprovou sem mudar uma vírgula. O livreto traz informações claras sobre como qualquer pessoa pode se tornar vítima e como denunciar. Ele mostra, por exemplo, que para um traficante até uma criança tem preço e é muito menor do que os pais imaginam. É chocante, mas precisamos trazer essa realidade à tona”, destacou o desembargador Paulo Alcântara.