Auditor fiscal Luiz Roma denuncia casos graves no Vale do São Francisco e defende a CLT como ferramenta essencial para combater violações trabalhistas

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Nesta sexta-feira (2), o Programa Nossa Voz recebeu o auditor fiscal do trabalho Luiz Roma para uma entrevista densa, crítica e repleta de reflexões sobre os rumos do trabalho no país. Entre temas como a efetividade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o combate ao trabalho escravo e infantil, e os novos desafios diante das dinâmicas de home office e plataformas digitais, Roma não economizou nas palavras. Com um discurso firme, fez questão de colocar o trabalhador no centro do debate.

“O dia primeiro de maio é um dia importantíssimo. Não é só de folga, de festejos, mas é de muita conscientização dos trabalhadores sobre sua condição enquanto classe trabalhadora. E reforçar essas conquistas e mantê-las, que é o mais importante. A gente não pode nunca retroceder quando pensamos em direito do trabalhador. Porque foram muitos anos de luta, muitos anos de negociações para chegar numa condição mínima, que a gente chama de patamar mínimo de condições dignas de trabalho”, declarou o auditor fiscal.

Durante a entrevista, Roma também abordou as constantes tentativas de desvalorização da CLT e a falsa ideia de que ela está “ultrapassada”. Para ele, a legislação trabalhista é viva e capaz de responder às novas configurações do trabalho moderno.

“A CLT é uma construção histórica. E ela sempre foi atualizada. Não é uma legislação antiga no sentido de ser ultrapassada. Ela representa o ambiente de trabalho e, por isso, precisa ser continuamente atualizada para abarcar novas formas de trabalho como o home office e as plataformas digitais. Mas ela consegue, sim, lidar com essas mudanças. O que precisamos também é conscientizar os trabalhadores, tirar um pouco dessa alienação de achar que não precisam da CLT, que não precisam de direitos trabalhistas.”

Na visão do fiscal, os problemas relacionados ao adoecimento mental e à qualidade de vida dos trabalhadores estão diretamente ligados à carga de trabalho e à falta de acesso a direitos básicos.

“Quando a gente fala em condições dignas de trabalho, pense: nós temos família, saúde, educação. O empresariado brasileiro reclama da qualificação dos trabalhadores, mas o trabalhador não tem tempo para estudar. Uma jornada de 8 horas diárias, com afazeres domésticos e um único dia de descanso — onde fica o lazer? O convívio com a família? O estudo? A saúde? Quanto mais tempo se trabalha, mais os trabalhadores adoecem mentalmente. Os adoecimentos mentais estão crescendo. E não é só porque evoluiu a psiquiatria, é porque o ambiente de trabalho está doente”, alertou.

Para Luiz Roma, experiências de países desenvolvidos mostram que a redução da carga horária traz ganhos reais para todos: “França, Canadá, vários países mostraram que menos horas de trabalho resultam em maior produtividade. As pessoas se concentram mais e conseguem, nas demais horas, descansar, conviver, estudar e melhorar suas habilidades.”

Questionado sobre a resistência dos empregadores em adotar novas medidas trabalhistas, Roma foi direto: “Sempre que se fala em direitos trabalhistas, o discurso é o mesmo: ‘vai quebrar as empresas’. Quando se acabou com a escravidão, disseram que ia quebrar. Quando se criou o 13º salário, disseram que ia quebrar. Quando se proibiu o trabalho infantil, também. E nada disso aconteceu. É um discurso vazio, usado historicamente para impedir avanços sociais.”

Um ponto de destaque na conversa foi a entrada em vigor, neste mês de maio, da nova normativa que trata dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho, especialmente os relacionados à saúde mental.

“A alteração na Norma Regulamentadora nº 1 trata da saúde e segurança nos ambientes de trabalho. A vigência começa agora em maio e, com 90 dias, já pode ser cobrada. Mas o setor empresarial pede mais tempo, até um ano, para treinar seus funcionários. A ideia é que as empresas avaliem também os riscos mentais, além dos físicos, químicos e biológicos. Burnout, estresse traumático, ansiedade, assédio moral e sexual — tudo isso precisa ser analisado”, explicou.

Segundo Roma, a Auditoria Fiscal do Trabalho já faz esse tipo de análise, inclusive com dados preocupantes no setor bancário e em áreas do comércio.

“Nós analisamos acidentes e doenças do trabalho. O setor bancário, por exemplo, tem altíssimos índices de adoecimento mental. E isso está vinculado ao ambiente de trabalho: metas abusivas, pressões, falta de apoio. Precisamos que as empresas perguntem: ‘o que está acontecendo que meus funcionários estão adoecendo?’”

O auditor também falou sobre o trabalho escravo contemporâneo, realidade ainda presente no país e também na região do Vale do São Francisco.

“O ponto crítico do sistema capitalista é esse: quando eu exploro ao máximo o trabalhador e tiro dele a condição de pessoa. Nós tivemos quatro casos de trabalho escravo na região nos últimos dois anos. E o que caracteriza isso? A ausência do patamar mínimo civilizatório: falta de salário, moradia, alimentação, EPI, água tratada. Se não tem isso, é exploração. E aí o trabalhador é resgatado, e o empregador autuado e encaminhado à Justiça do Trabalho”, afirmou.

Luiz Roma relatou casos concretos da região: “Na extração de carvão vegetal em Exú, encontramos trabalhadores no meio do mato, por 30 ou 40 dias, sem alimentação adequada, sem geladeira, sem salário digno. Em Petrolina, um trabalhador vivia em um quarto onde tudo era misturado: comida vencida, fogão, gás, cama. É indigno. É trabalho escravo. Não tem outro nome.”

O fiscal também foi crítico à reforma trabalhista de 2017, que segundo ele, aprofundou a precarização e iludiu os trabalhadores.

“A maior mentira da reforma foi dizer que o trabalhador pode negociar diretamente com o patrão. Isso não existe. O patrão manda, o trabalhador obedece. Onde é que um trabalhador diz: ‘quero negociar’ e o patrão diz: ‘tudo bem’? Ele é mandado embora e pronto. É por isso que existe a legislação. Para proteger. E isso só pode ser feito por meio da negociação coletiva.”

Neste ponto, Roma defendeu a retomada do fortalecimento dos sindicatos. “O sindicato ainda é o único instrumento que consegue negociar com o empresário. Mas foram minados por dentro. O capital fez de tudo para destruir os sindicatos. E ainda alienou o trabalhador, fazendo ele acreditar que sindicato não serve pra nada. Isso foi uma construção. Uma forma de tirar o pensamento crítico. Precisamos retomar isso. Valorizar os sindicatos atuantes, como os da construção civil, do comércio e os rurais aqui da região.”

Ao encerrar a entrevista, Roma reforçou que a denúncia é um direito do trabalhador e que existem canais seguros para isso.

“O trabalhador pode denunciar irregularidades de forma anônima pelo portal gov.br. Vai em ‘denúncia trabalhista’ e a informação chega direto à unidade local do Ministério do Trabalho. Muitas denúncias chegam assim, anonimamente, e a gente investiga. É importante porque o trabalhador que questiona muitas vezes é retaliado. Mas ele não está sozinho. A fiscalização está presente, está atuando, e vai continuar cobrando condições dignas para todos os trabalhadores brasileiros.”