De janeiro a setembro de 2022 foram negociados 2,95 milhões de novas cotas, representando aumento de 14,1% em relação ao mesmo período do ano anterior
Em um ano de incertezas, tanto na política quanto na economia, com juros nas alturas e famílias endividadas à procura de crédito barato, os consórcios acabaram ganhando força entre os que não conseguiram se planejar. Os consumidores encontraram no setor uma opção mais barata para uma compra programada de bens e serviços, sobretudo, de produtos de valor elevado, como imóveis e veículos — para os quais a maioria da população brasileira não tem dinheiro para o pagamento à vista. Segundo especialistas, 2022 foi muito bom para a atividade, porém há cuidados necessários que precisam ser tomados para não cair nas armadilhas que existem.
Os consórcios podem ser uma alternativa aos financiamentos, cujas taxas cobradas pela maioria dos bancos estão cada vez mais proibitivas — pois não param de subir, enquanto o endividamento das famílias brasileiras é de 78,9%, conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). De acordo com dados da Associação Brasileira de Administradora de Consórcios (Abac), de janeiro a setembro de 2022 foram negociadas 2,95 milhões de novas cotas, crescimento de 14,1% em relação ao ano anterior.
Como exemplo, temos o Consórcio Magalu, há quase 30 anos no mercado, e que registrou crescimento de 10,9% no valor médio das vendas. “A procura por nossa modalidade de crédito cresceu durante o cenário de inflação e altos níveis de endividamento das famílias”, afirma Edna Honorato, diretora-executiva da empresa, que destaca o baixo nível de inadimplência do segmento. “Estamos em um momento em que as pessoas estão sem acesso ao crédito. Os consórcios também estão disponíveis para suprir a demanda desses consumidores”, acrescentou.
Segundo o especialista Fernando Lamounier, diretor de novos negócios da Multimarcas Consórcios, o crescimento significativo da demanda por consórcios deve-se à imprevisibilidade da taxa de juros, prejudicando a aquisição de bens de valor pelo financiamento, fazendo do consórcio uma opção viável à longo prazo para a aquisição desses bens. “Além disso, o aumento da demanda também se dá graças à necessidade de planejamento que está se impondo à população devido à situação financeira atual”, disse.
Os dados da Abac mostram ainda que o número de participantes ativos no consórcio obteve crescimento de 9% durante o ano, alcançando recorde de 9,12 milhões. Entre os principais segmentos da modalidade no período, estão os setores imobiliário e automobilístico. Com participação de 56%, o consórcio de veículos obteve aumento de vendas em 15%, atingindo R$ 93,2 bilhões. Já o setor imobiliário, com 43,4% de movimentação, registrou avanço de 20,5%, totalizando R$ 83,3 bilhões.
Investimentos
Magno Costa, 33 anos, trabalha com almoxarifado de obra e contou que este ano decidiu entrar em um consórcio pela primeira vez. “Decidi entrar porque é uma maneira de guardar dinheiro de forma forçada”, disse. “Assim, você se vê obrigado a pagar aquele valor mensalmente porque outros também dependem do pagamento”, declarou. “A experiência é muito boa até o momento que você recebe, o ruim é ter que terminar de pagar.”
Já a brigadista Claudia de Abreu, 39 anos, afirmou que entra em consórcios todos os anos. “Já é algo que virou rotina na minha vida. Comecei a investir neste setor com o intuito de comprar um celular e, com muita sorte, consegui ser sorteada no mês seguinte”, contou. “Quando terminei de pagar esse consórcio, o segundo que entrei foi no de um carro, mas não fui contemplada de cara, esperei dois anos para conseguir o meu automóvel”, disse. Atualmente, Abreu está participando de um consórcio de imóvel. “Estou realizando um sonho. Como meu salário não é muito alto, não consigo financiamentos nos bancos. Com o consórcio, tive a oportunidade de pagar um valor que cabia no meu bolso”, afirmou.
Entretanto, especialistas alertam que é preciso ter em mente que o consórcio não é o melhor investimento, mas uma dívida programada. A operação funciona como uma poupança realizada em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente estabelecidos, tudo organizado para permitir aos integrantes a aquisição de um bem ou serviço por meio de autofinanciamento. Isso significa que todos pagam uma parcela mensal por um longo período para que um sorteado por mês possa utilizar o montante arrecadado.
A definição fornecida pelo Banco Central para o consórcio é “autofinanciamento”, pois mistura os dois lados, investimento e poupança com crédito. O produto do consórcio pode ser utilizado dessas duas maneiras. O problema é que a falta de explicação sobre o serviço faz com que os clientes se frustrem e, consequentemente, cancelem o consórcio.
O desconhecimento sobre as melhores opções de investimento disponíveis no mercado é apontado como um dos entraves na hora do brasileiro realizar sonhos como o da casa própria. “De um lado, temos profissionais que precisam vender esse produto para bater metas. De outro, pessoas que, muitas vezes, não conseguem fazer a comparação do montante final pago e tem medo de investir em outras opções, por falta de conhecimento em educação financeira”, destacou Jennifer Montenegro Xaubet, especialista em Gestão e Engenharia de Custos.
Entretanto, ela não considera o consórcio como uma boa alternativa de investimento devido às altas taxas de administração cobradas. “Quando comparamos o valor das parcelas pagas para uma carta de crédito de determinado valor, há um investimento mensal que é melhor, sendo uma das opções mais conservadoras do mercado, que é o tesouro direto, por exemplo. Nele observa-se, ao fim do investimento, uma grande vantagem”, afirmou.
Segundo a especialista em gestão, tendo disciplina para poupar todos os meses, investir na compra de um bem à vista, geralmente, será mais vantajoso.
O economista da FAE Business Fábio Tadeu Araújo, apontou que o consórcio só é uma boa alternativa de investimentos para quem tem muito capital. “Porque ele tem uma capacidade de dar lances altos, retirar a carta, comprar o imóvel ou o bem, transferir e revender essa carta com ágio, ou comprar cartas com desafios”, pontuou.
Fraudes
Sobretudo, é preciso paciência, um pouco de sorte e muito cuidado para não cair em armadilhas. O advogado criminalista Luís Henrique Machado explicou que, no que tange ao consórcio, existem várias modalidades de fraudes. Segundo ele, as mais comuns são: golpe da carta de crédito contemplada e o golpe do contemplou, quitou. “Para não cair no golpe da carta de crédito, é importante saber que a venda de um consórcio contemplado pode ser realizada apenas se um participante do grupo obteve a carta de crédito e deseja realmente se retirar”, explicou.
(Correio Braziliense)