“Contratos claramente forjados”, diz delegado sobre fraudes no salário-maternidade rural durante operação Raízes de Papel

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A Polícia Federal deflagrou nesta segunda-feira (30) a operação Raízes de Papel no norte da Bahia, com mandados de busca e apreensão cumpridos nas cidades de Juazeiro e Sobradinho. A ação investiga um suposto esquema de fraudes no benefício de salário-maternidade rural, que teria como peça central um escritório de advocacia responsável por ajuizar ações fraudulentas.

Entre os locais alvos da operação, estão escritórios jurídicos suspeitos de forjar documentos para simular vínculos rurais inexistentes, a fim de garantir o benefício previdenciário a mulheres que, de acordo com a investigação, não trabalhavam no campo.

Em entrevista ao programa Nossa Voz, o delegado-chefe da Polícia Federal em Juazeiro, Ulisses Uchaque, detalhou o ponto de partida da investigação:

“A partir de uma investigação da própria Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Juazeiro, foi detectado o ajuizamento massivo de ações previdenciárias com pedidos de salário-maternidade, todos com o mesmo modus operandi. Consistia na utilização de um contrato de arrendamento de parcela de um mesmo terreno para várias requerentes — inclusive em períodos sobrepostos. Esses indícios chamaram atenção e foram encaminhados ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, o que deu início ao inquérito.”

O delegado explicou que a análise minuciosa dos documentos evidenciou fortes sinais de fraude. Os contratos usados como prova, segundo ele, foram considerados “claramente forjados”:

“Verificamos contratos com datas absurdas. Em alguns, se fôssemos considerar as datas como verídicas, a trabalhadora teria apenas 14 anos quando supostamente assinou o documento de arrendamento rural. Em outros casos, uma das testemunhas era menor de idade. Esses elementos deixam claro que os contratos não têm validade e foram criados apenas para tentar fraudar o sistema.”

Durante a operação, celulares e documentos foram apreendidos. O material será analisado pela PF, que espera reunir novas provas da participação dos envolvidos.

O núcleo central da investigação seria um escritório de advocacia da região, que, de acordo com a PF, captava mulheres grávidas e as orientava a ajuizar ações como se fossem trabalhadoras rurais — sem vínculo verdadeiro com o campo.

Além dos advogados, o inquérito também se debruça sobre o grau de participação das supostas beneficiárias. Segundo o delegado, a PF busca agora entender se essas mulheres participaram conscientemente do esquema:

“Essa é uma das frentes da investigação agora: verificar se os dados das mulheres foram utilizados sem conhecimento delas, ou se elas, de fato, participaram da fraude com o objetivo de obter a vantagem indevida. Isso será apurado com base nas provas colhidas e nos depoimentos que ainda serão tomados.”

A operação Raízes de Papel é considerada o ponto de partida de uma investigação mais ampla sobre possíveis fraudes no sistema previdenciário da região. Segundo Uchaque, até agora foram identificados 30 processos com indícios claros de irregularidade.

“Esse é só o início. Vamos verificar se há outros processos com o mesmo padrão. Caso novos indícios apareçam — seja de outros escritórios ou até mesmo do uso indevido de sindicatos — essas estruturas também serão alvo da investigação e, se for o caso, responsabilizadas criminalmente.”

Ao final da entrevista, o delegado fez um alerta sobre os riscos de ações judiciais em massa sem a devida base legal:

“A judicialização em massa sem critério atrapalha não apenas o andamento da Justiça, mas também o acesso à Justiça de quem realmente precisa. É uma preocupação de todo o sistema judiciário hoje combater o mau uso dessas ferramentas legais. Sempre que houver indícios suficientes, a Polícia Federal atuará para proteger o erário e responsabilizar quem tenta burlar o sistema.”

A operação segue em andamento. Os nomes dos investigados não foram divulgados. A Polícia Federal reforça que a investigação está em fase preliminar e que todas as partes terão direito à ampla defesa e ao contraditório.