A Defensoria Pública da União (DPU) apresentou ao Ministério das Mulheres, nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, nota técnica com propostas destinadas a orientar a divulgação responsável de casos de feminicídio na imprensa e nas redes sociais.
Assinado pela defensora nacional de Direitos Humanos, Carolina Castelliano, e pelas defensoras regionais de Direitos Humanos da DPU, o documento foi elaborado no contexto do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, estabelecido pelo governo federal por meio do Decreto nº 11.640/2023. O principal objetivo é apresentar uma política pública que estabeleça parâmetros mínimos para a divulgação midiática desses casos, inspirando-se em práticas bem-sucedidas de outros países.
“Esta nota técnica apresenta proposta de construção de política pública voltada para a promoção do direito humano mais básico das mulheres, o direito à vida. Para isso, parte-se da premissa de que mais do que a convivência com números alarmantes de feminicídio, as mulheres brasileiras vivenciam um cenário de generocídio, no qual o gênero feminino se configura não como um mero marcador social, mas como um alvo potencial de toda sorte de violência, inclusive a mais extrema de toda que é a eliminação da vida”, destaca o documento.
Narrativa midiática a ser evitada
Partindo da alta taxa de feminicídio no Brasil, a quinta no mundo, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, as defensoras enfatizam a importância de evitar uma narrativa midiática que fragiliza ainda mais a imagem da mulher, contribuindo para a perpetuação de estereótipos de gênero que as tornam socialmente vulneráveis.
A nota destaca que a veiculação de imagens de mulheres que sofreram violência com corpos agredidos, bem como a narrativa minuciosa desses acontecimentos, fortalece padrões de gênero e retrata as mulheres como simples objetos de atos violentos cometidos por homens.
“Nesse aspecto, divulgações de imagens de mulheres mortas ou com os corpos violentados, além da descrição de cenas de violência praticadas, contribuem para um reforço de códigos de gêneros em que mulheres são destituídas de qualquer poder de agência, sendo transmudadas à condição de um objeto que sofre a ação de outrem, no caso de um homem”, alerta a nota.
“Além disso, a cobertura jornalística que foca na reprodução reiterada de casos de feminicídio, apenas com o compartilhamento de detalhes da violência em si, sem estabelecer qualquer vinculação das causas estruturais e sistemáticas, sem tecer considerações sobre os números estatísticos nacionais, bem como das deficiências das políticas públicas implementadas, acaba por contribuir para a formação de um tipo de conteúdo cuja natureza e objetivo transbordam os propósitos da informação jornalística de interesse público, transmudando-se em fonte de entretenimento para os expectadores e mera fonte de lucro para os divulgadores”, complementa.
O documento cita, ainda, os desafios em se assegurar os direitos das mulheres na Internet, diante da “profusão de discurso de ódio contra as mulheres nas redes sociais”. O arcabouço legal existente para proteção da mulher não contempla a falta de regulação da internet e das plataformas digitais.
Objetivo não é censura, mas construção coletiva de protocolo de divulgação
O objetivo da nota, portanto, não é o de impor censura à mídia, mas de construir coletivamente um protocolo de divulgação que evite o sensacionalismo, a espetacularização e o uso inadequado das ferramentas de comunicação.
“Não se pode ignorar que a divulgação pela mídia e plataformas de redes sociais dos casos de feminicídios, consumados ou tentados, de forma indiscriminada, massificada e sensacionalista é um fator que propulsiona, ainda, a naturalização desse tipo de violência extrema e também para a sua “fetichização” perante públicos específicos. Portanto, é imperiosa a necessidade de construção de políticas públicas indutoras de coberturas jornalísticas responsáveis e divulgações em redes sociais que de fato contribuam para a prevenção do cenário de violência praticada contra as mulheres”, diz o documento.
Divulgação de casos de suicídio
A Nota Técnica lembra que, no Brasil, para os casos de suicídio, já algo no sentido do que se propõe agora para os casos de feminicídio.
“No Brasil, o estabelecimento de parâmetros mínimos que balizem a divulgação midiática de situações que envolvem mortes por suicídio já é objeto de atenção de espaços de deliberações públicas, como o legislativo. Nesse sentido, tramita perante a Câmara de Deputados o Projeto de Lei 1970/23, que altera a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, para dispor sobre a divulgação de informações jornalística sobre casos de suicídio e de tentativa de suicídio. (…)
Como se vê, não é difícil transpor a razão de existir das propostas destas normas para a situação do feminicídio. Em um e outro caso, o objetivo fundamental é a prevenção do sensacionalismo, da espetacularização e também de que novos atos similares ao divulgado ocorram, propulsionados pelo mau uso das ferramentas de comunicação.”
Fonte: Ascom DPU