Editorial: Marco Maciel e sua história com o Sertão

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Marco Maciel, Anamaria Coelho e Osvaldo Coelho em frente a residência de Josepha Coelho, em Petrolina. (Foto: Arquivo Pessoal da Família Coelho)

O Sertão Pernambucano lamenta a morte de Marco Maciel. Além da defesa incontestável pelo desenvolvimento de Pernambuco, buscando constantemente recursos para abertura e manutenção de estradas junto ao governo federal e estruturação do Porto de Suape quando vice-presidente da república, aprovou importantes Leis para a população. Entre elas a de nº 8.874, de 29.04.1994, que dispõe sobre a prorrogação do prazo fixado pelo artigo 59 da Lei nº 7.450, de 23.12.1985, para instalação de empreendimentos industriais e agrícolas nas áreas de atuação da Sudam e Sudene.

“Trata-se de um figura extremamente importante, não apenas para Petrolina, onde estavam parte das suas raízes políticas, mas para Pernambuco e para o Brasil. Quando surgiu a ideia da sua candidatura a deputado estadual e, embora não fosse uma figura na época, muito conhecida em Petrolina, foi votado por recomendação de Nilo com expressiva votação”, relembrou o ex-prefeito de Petrolina e presidente da Apami, Augusto Coelho. “Marco se familiarizou com Petrolina e com a nossa família. Era uma figura que trafegava em Petrolina com absoluta tranquilidade e fez muitos laços por afinidade, independente da situação política”, complementou.

Os vínculos se estendiam também a Santa Maria da Boa Vista, onde tinha em Noé Barros um grande apreço.

Com um currículo irretocável, Marco Maciel protagonizou momentos cruciais para o sucesso da redemocratização do Brasil. Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, e integrante do movimento estudantil no início dos anos 60, ele entrou na Arena e foi eleito deputado estadual. Homem de confiança do Governador Nilo Coelho, Maciel foi indicado pelo político petrolinense e seu líder na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

“Para o primeiro mandato de deputado estadual, por recomendação de Nilo, foi votado em Petrolina.

Pela amizade e confiança, em nossa casa sentava na mesa como sendo um dos irmãos. Fui eleitor dele todas vezes que foi candidato. Hoje é dia de relembrar a boa convivência e lamentar a perda do bom amigo”, declarou na manhã de hoje aos familiares, Adalberto Coelho, relembrando os laços formados com os filhos do Coronel Quelê.

Quando eleito deputado federal em 1971, Marco Maciel defendeu abertamente a volta da democracia e chegou a ser cogitado como alternativa civil à presidência do general João Figueiredo (1979-1985). Depois disso, rompeu com o PDS, sucessor da Arena, ajudando a criar o PFL, que se alinhou com Tancredo Neves contra Paulo Maluf na eleição indireta para suceder Figueiredo. Nessa época, era presidente da Câmara.

“Sabemos que linhas paralelas não se encontram, mas no caso do processo que culminou com a chapa formada por Tancredo Neves e José Sarney, elas terminaram convergindo. As duas paralelas eram: O retorno da democracia e, de maneira mais conjuntural, a sucessão presidencial. Elas se encontraram num movimento que resultou no documento construtivo da Aliança Democrática (Compromisso com a Nação), assinado no Congresso Nacional em 07 de agosto de 1984. Convém lembrar que o progresso de transição para a democracia começara bem antes, em 1974, quando em discurso pronunciado na convenção da Arena, o presidente Ernesto Geisel anunciou a abertura lenta e gradual para ser segura. A partir daí se desenvolveu um processo de redemocratização que teve muitos nomes: distensão, abertura, descompressão, etc. Houve um momento que considero muito importante, mas pouco citado, que foi a promulgação, pelo Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978. Na ocasião, Geisel havia designado o senador Petrônio Portela para começar a ouvir a sociedade. Aí vieram aqueles encontros com Dom Paulo Evaristo Arns, Raymundo Faoro, Barbosa Lima Sobrinho e etc”, relatou Maciel em entrevista ao Jornal do Commércio.

Marco Maciel foi ainda ministro da Educação e Cultura, ministro-chefe do Gabinete da Presidência da República, senador por três mandatos, governador de Pernambuco e por duas vezes vice-presidente do Brasil.

Nesse cargo inclusive, foi extremamente elogiado. Não apenas sobre seu perfil discreto, mas pela articulação nos bastidores e manutenção da base aliada ao governo Fernando Henrique Cardoso.

“Era o vice dos sonhos. Viajava e não tinha a menor preocupação, porque Marco era correto. E mais do que correto, minucioso, quase carinhoso. Por exemplo, muitas vezes me trazia algo para ler e marcava em amarelo para poupar o meu tempo. Ele era leal”, disse FHC ao documentário realizado pela TV Câmara intitulado “Marco Maciel – A Política do Diálogo”.

Autor da biografia “Marco Maciel, Um Artífice do Entendimento”, editado pela CEPE, o jornalista e comentarista do Nossa Voz, Ângelo Castelo Branco, falou o blog sobre a perda daquele que considera integrante de um “virtuoso ciclo de líderes que abdicaram de conquistas materiais ou pessoais e se dedicavam exclusiva e obstinadamente aos elevados interesses do país à luz da retidão, da ética e do rigor na gestão dos procedimentos administrativos”.

“Marco Maciel pertenceu a uma geração de republicanos liberais, cultores da lei e fiéis aos princípios da liberdade e dos direitos civis Soube, como poucos, lidar com a natureza da arte política do possível para salvaguardar o país de rupturas indesejadas e assegurar avanços graduais que se faziam necessários no rumo da redemocratização finalmente consagrada na carta constitucional de 1988.

Prestou um inestimável serviço à moderna História do Brasil ao lado de Tancredo Neves, Aureliano Chaves e Ulisses Guimarães tecendo uma delicada transição do período de governos militares para gestões democráticas eleitas pelo voto universal sem que uma única gota de sangue fosse derramada no país.

Suas relações republicanas isentas de preconceitos diante de quaisquer correntes ideológicas tornaram-no um conciliador nato. Foi presidente da Câmara dos Deputados, governador de Pernambuco, senador, duas vezes ministro de estado e finalmente vice-presidente da República nas duas gestões do também estadista Fernando Henrique Cardoso.

Marco Maciel deixa a vida sendo, desde muito tempo, um personagem relevante da história e um artífice do bem. Uma pessoa em quem o Brasil podia confiar com a serenidade e a certeza de que a nação estaria em boas mãos”.

Ângelo Castelo Branco também foi secretário de Imprensa do Governo do Estado e do Ministério da Educação nas gestões de Marco Maciel.

Infelizmente, toda essa genialidade se calou na luta contra uma doença neurodegenerativa. Vítima do Mal de Alzheimer, Marco Mariel viveu sob os cuidados de uma equipe de saúde coordenada por sua esposa, Ana Maria, até precisar de internamento por complicações da doença.

Ela inclusive veio a público em 21 de setembro de 2019, dia mundial da conscientização sobre o Alzheimer, que acomete principalmente idosos, sem fazer distinção de classe social. “As pessoas têm preconceito com o Alzheimer. Acham que a pessoa começa a falar um monte de bobagem e se desliga do mundo. Com meu marido não foi assim. Ele continua sendo o mesmo homem educado com todos”, disse Ana Maria ao jornal Correio Braziliense.

Amigo de Marco Maciel por longos anos, o eterno deputado Osvaldo Coelho manteve contato e visitas mesmo após a reclusão de MM ao contatar o avanço da doença. “Ia visitá-lo, conversava, olhava nos seus olhos e muitas vezes eles se encontravam num silêncio profundo”, relembrou Ana Amélia Coelho Lemos, diretora das rádios afiliadas do Sistema Grande Rio de Comunicação e filha caçula de OC.

“Ele teve uma trajetória política irretocável, o Brasil e Pernambuco perdem um estadista. Agora o sexteto está completo em outra dimensão: Luiz Gonzaga, Agamenon Magalhães, Zé de Moura, Marco Maciel, Nilo Coelho e Osvaldo Coelho, o Rio Brígida tocando nos céus”, afirmou em referência à música Rio Brígida, onde Luiz Gonzaga afirmava que os políticos citados iriam “harmonizar” o Sertão”.