Meninos negros, fora da escola e de famílias pobres. Esse é o perfil das vítimas do trabalho infantil em Pernambuco, de acordo com dados do Cadastro Único (CadÚnico) referentes aos quatro primeiros meses de 2022. No período, houve 746 registros com base apenas nos atendimentos de profissionais da assistência social. Dados mais abrangentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não vêm sendo divulgados desde 2020, o que, segundo especialistas, dificulta o monitoramento mais preciso de uma problemática que tem se agravado durante a pandemia. A discussão foi feita no Encontro Estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco, promovido pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ).
“Em 2016, eram 109 mil crianças ocupadas. Já em 2019, esse número caiu para 64.980, segundo o IBGE, o que representa uma redução de 40%. Mas e de 2020 a 2022? Sem a divulgação de dados referentes a esse período, temos um contexto preocupante, sobretudo porque, empiricamente, conseguimos visualizar um número maior de crianças pedindo esmolas nas ruas e trabalhando em feiras livres”, explicou Leonidas Leal, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Pernambuco.
As informações do CadÚnico também indicam que 59% das vítimas são do gênero masculino, que 76% são pretas ou pardas e que, em 65% dos casos, têm o Ensino Fundamental incompleto, embora a maior faixa se concentre em idades entre 14 e 17 anos. “As informações indicam que, se hoje, a renda que essa criança ou adolescente traz é considerada uma alternativa, no futuro, ela será o grande problema de subsistência para a família, perpetuando a pobreza e a falta de oportunidades”, complementou o especialista.
Em 2021, a gestão estadual do PETI em Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking de estados que mais realizaram ações de enfrentamento ao trabalho infantil e a segunda posição, quando consideradas as estratégias municipais. Mas o desfinanciamento para a Assistência Social pelo Governo Federal tem se mostrado como um desafio. Até 2018, 68 municípios pernambucanos recebiam cofinanciamento da União para atuar no enfrentamento dessa violação de direitos. Esse recurso não é mais repassado para estados e municípios, embora haja aumento da demanda por mais ações. Mesmo com o corte por parte da União, o Governo do Estado buscou estender as ações de monitoramento e apoio técnico a todos os 184 municípios e a Fernando de Noronha.
PALESTRAS – Ainda durante o encontro, o coordenador-geral de Medidas Socioeducativas e do PETI do Ministério da Cidadania, Francisco Xavier, também palestrante do evento, apresentou números da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que indicam que, quanto mais cedo a criança começar a trabalhar, menor será seu rendimento mensal na vida adulta e sua inserção em empregos com carteira assinada. “Isso significa trabalho sem férias e folgas e com desproteção social para essa pessoa e sua família”, disse.
No mesmo sentido, a psicóloga Brigida Taffarel, do CREAS Recife, lembrou que pautas recentes das discussões nacionais, como a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista e a extinção do Bolsa Família, só agravam essa problemática. “Temos visto uma série de ataques à proteção social. Nossa proposta é tirar o olhar microscópico e olhar para esse problema na perspectiva de uma totalidade, refletindo sobre como os séculos se passaram e ainda estamos tentando garantir que esse problema não ocorra”, afirmou.
O encontro ainda contou com uma palestra do auditor fiscal do Trabalho e coordenador nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Governo Federal, Roberto Padilha, que detalhou informações sobre como ocorrem a busca e as orientações acerca de ocorrências e apresentou o sistema Ipê Trabalho Infantil, que atua com base no georreferenciamento de denúncias e no encaminhamento delas para 27 unidades regionais de fiscalização em todo o país. No âmbito geral, o Disque 100 é o canal de denúncias de violações aos direitos humanos, inclusive de ocorrências de trabalho infantil.
Realizado na modalidade online e voltado a profissionais de assistência social e de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, o evento teve ainda a participação de integrantes da Secretaria Executiva de Assistência Social de Pernambuco, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, do Unicef, do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fepetipe), dos colegiados Nacional (Congemas) e Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (Coegemas), da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e do Conselho Estadual de Assistência Social (Ceas).