A fila de espera do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) segue alarmante e ultrapassou 2,4 milhões de pedidos em junho, segundo o Ministério da Previdência. O volume de requerimentos, que inclui aposentadorias, auxílios e principalmente benefícios por incapacidade, evidencia a lentidão nos processos — mesmo diante de medidas emergenciais como mutirões e bonificações para servidores.
Em paralelo, uma mudança significativa promete impactar diretamente o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). O Decreto nº 12.534, publicado neste mês, alterou critérios de cálculo da renda familiar, o que pode restringir ainda mais quem tem direito ao benefício.
Para entender os reflexos dessas mudanças, o advogado previdenciarista Caio Fonseca detalhou como vai funcionar. Segundo ele, há uma preocupação crescente no meio jurídico com os impactos do novo decreto.
“É importante deixar claro que o BPC não é uma aposentadoria do INSS. Trata-se de um benefício assistencial pago a dois grupos específicos: pessoas com deficiência e idosos a partir de 65 anos que estejam em situação de vulnerabilidade social. Esse é o ponto-chave: a vulnerabilidade. Antes, o cálculo da renda per capita familiar excluía programas como o Bolsa Família. Agora, não mais.”
Fonseca explicou que, com a nova regulamentação, benefícios como o Bolsa Família passam a ser contabilizados no cálculo de renda para definir se a pessoa tem ou não direito ao BPC. E isso, segundo ele, pode deixar muitas famílias de fora.
“Antes, uma família de quatro pessoas — incluindo uma idosa de 65 anos, dois filhos desempregados e um que recebe Bolsa Família — poderia se enquadrar para receber o BPC. Agora, se um dos filhos consegue um emprego com salário mínimo e o Bolsa Família continua sendo recebido, esses valores entram na conta, e a renda por pessoa pode ultrapassar o limite permitido. Resultado: a idosa perde o direito ao BPC.”
Além disso, o decreto prevê outras mudanças: a atualização do Cadastro Único a cada 24 meses e a possibilidade de revisão do benefício a qualquer momento, e não apenas de dois em dois anos como ocorria anteriormente.
“As pessoas precisam ficar atentas. A atualização do CadÚnico agora é obrigatória a cada dois anos, e a biometria também passa a ser exigência. E o mais grave: o INSS poderá revisar o benefício a qualquer tempo. Isso aumenta a insegurança entre os beneficiários”, destacou o advogado.
O impacto pode ser ainda maior em regiões como o Vale do São Francisco, onde é comum o recebimento de rendas sazonais, como nos contratos de Safra. A indefinição sobre como essas rendas serão tratadas na análise do BPC preocupa especialistas e pode gerar um aumento na judicialização.
“A gente já começou a receber muitas ligações de clientes preocupados. Com certeza haverá mais processos na Justiça questionando esses critérios. E no caso das rendas sazonais, a falta de clareza pode gerar insegurança jurídica. Estamos falando de uma camada da população que já vive na ponta da corda. Qualquer mudança drástica como essa atinge diretamente quem mais precisa”, alertou Fonseca.
Sobre a possível escolha entre o BPC e o Bolsa Família, o advogado também fez um alerta importante:
“Tem circulado nas redes sociais que seria melhor renunciar ao Bolsa Família para receber o BPC. Mas não é tão simples assim. O BPC não é um benefício automático. É necessário fazer um requerimento administrativo ao INSS, que pode ser negado. E aí a pessoa pode precisar entrar na Justiça. Ou seja, pode ficar sem os dois se não tiver cautela.”
O valor do BPC é de um salário mínimo (R$ 1.518 em 2025), enquanto o Bolsa Família parte de R$ 600, com adicionais conforme o número de filhos e composição familiar.
Com o INSS atolado de pedidos e uma regulamentação mais rígida, especialistas alertam que o momento exige atenção redobrada dos beneficiários e ação coordenada entre o poder público e as defensorias para evitar que a população mais vulnerável fique desassistida.