A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) vai arcar com todos os eventuais danos decorrentes do uso ou da administração no Brasil da vacina para a Covid-19 que é desenvolvida pela Universidade de Oxford (Reino Unido). Já o laboratório AstraZeneca, que produzirá a imunização, ficará isento de responsabilidades.
As condições acerca das sanções e indenizações da empresa foram impostas pelo laboratório para a assinatura do contrato. A informação consta de parecer da Procuradoria Federal junto à Fiocruz sobre o acordo feito com a fundação pública do governo federal, de acordo com a Folha de São Paulo.
Em setembro, a Fiocruz assinou contrato que prevê a produção de 100,4 milhões de doses da vacina e transferência de tecnologia para a produção em território nacional.
O acordo da vacina também estabelece uma espécie de teto de indenização por parte da empresa, caso o contrato seja descumprido ou em caso de qualquer outra reclamação decorrente de culpa baseada no contrato. Esse montante não poderá exceder os valores pagos pela Fiocruz à AstraZeneca. O governo federal abriu crédito extraordinário de R$ 1,9 bilhão para viabilizar a produção e a aquisição das doses da vacina pela Fiocruz.
A chefe da procuradoria da fundação, Deolinda Vieira Costa, afirmou, no documento do dia 5 de setembro, que a discussão das cláusulas foi “o ponto mais controverso e intenso da negociação”. No entanto, era a “única opção possível para a Fiocruz”. Segundo o parecer, a proposta inicial da Fiocruz previa reciprocidade quanto aos direitos e deveres das partes, mas a AstraZeneca não aceitou. Mesmo assim, o contrato foi assinado em 9 de setembro.
Apesar da discordância sobre a redação final do contrato, o órgão brasileiro teria aceitado os termos “tendo em vista o interesse público envolvido no acesso a tão importante produto para a saúde da população”. “Dadas as circunstâncias fáticas, afigura-se que a negociação tenha chegado a um ponto intransponível e que a aceitação da imposição tenha sido a única opção possível para a Fiocruz”, escreveu Costa.
Em processo que acompanha as ações e os gastos do Ministério da Saúde para combater a Covid-19, o TCU (Tribunal de Contas da União) destacou essas cláusulas no dia 21 de outubro “pela sua relevância”. Os termos não aparecem no contrato divulgado no site da Fiocruz. Trechos e páginas foram apagados.
Segundo uma resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), são eventos adversos a suspeita de reações, os efeitos decorrentes do uso não aprovado do produto, a sua inefetividade terapêutica, total ou parcial, e intoxicações. Ainda segundo o documento, caso os resultados pretendidos da vacina não sejam total ou parcialmente atingidos, a fundação não terá direito ao reembolso de quaisquer valores pagos à AstraZeneca ou de impostos, tributos ou taxas.
Além disso, a AstraZeneca detém os direitos de produção, distribuição e comercialização do produto. A vacina desenvolvida em Oxford ainda não tem eficácia comprovada, mas é considerada uma das mais promissoras e a principal aposta do presidente Jair Bolsonaro para a imunização no Brasil.
Os testes chegaram a ser interrompidos temporariamente em todo o mundo durante a fase 3 (a última antes da aprovação) ?após a identificação de uma doença neurológica grave em setembro em uma voluntária no Reino Unido. Os trabalhos foram retomados após a constatação de que a doença não tinha relação com a vacina.
No fim de outubro, um voluntário do teste dessa vacina no Brasil morreu após complicações de Covid-19, mas a Anvisa constatou que o paciente estava no chamado grupo de controle, que não recebe a imunização.
Não houve licitação para a escolha da AstraZeneca. Segundo o relatório do TCU, a Fiocruz disse que não realizou chamamento dos interessados por meio de edital “pois atrasaria a produção e a disponibilização da vacina, agravando a situação de emergência”.