Historiador reflete sobre a luta da população negra e critica retrocessos no Dia da Consciência Negra

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Em entrevista ao programa Nossa Voz nesta quarta-feira (20), o historiador, Mábio Dutra, trouxe uma análise contundente sobre a importância do Dia da Consciência Negra. Ele destacou como a data, agora reconhecida como feriado nacional, deveria servir não apenas para celebrar a diversidade étnica do Brasil, mas para refletir sobre as desigualdades históricas e as lutas que moldaram a liberdade do povo negro.

Dutra lembrou que, mesmo em momentos de grande união mundial, como na Segunda Guerra Mundial, o preconceito contra a diversidade racial brasileira era evidente. “Quando o Brasil chegou à Europa com brancos, negros e pardos, não acreditavam que essas tropas poderiam lutar. Chamavam de ‘exército sifilítico’. Isso reflete a segregação étnica que permeava até os aliados na guerra, onde a diversidade ainda era vista com desconfiança.”

O historiador também ressaltou que a conquista da liberdade da população negra não foi um presente, mas o resultado de intensa resistência e sacrifício. “A liberdade não é uma concessão. Muitos corpos negros tombaram nessa luta. Não foi só Zumbi ou Dandara, mas inúmeros heróis anônimos que continuam tombando até hoje.”

Ele apontou a Lei de Terras, de 1850, como um marco na consolidação da desigualdade racial no Brasil, ao excluir os negros recém-libertos da possibilidade de acesso à terra, perpetuando a marginalização econômica que ainda afeta milhões. “Essa lei preparou o cenário de exclusão econômica que vemos hoje. O Brasil tem uma dívida com a África e com o povo negro, e isso não pode ser ignorado.”

Sobre a transferência do feriado de 20 de novembro em cidades como Petrolina e Juazeiro, Mábio foi categórico ao classificá-la como um retrocesso. “É uma mácula que ficará registrada. Como podemos trocar uma data tão simbólica por conveniência? Isso reflete a negação de uma memória coletiva e reforça a ideia de que o racismo persiste em todas as suas dimensões.”

O historiador também destacou o papel da educação na luta contra o racismo. Ele defendeu a implementação de um currículo escolar antirracista e criticou a exclusão histórica da oralidade africana dos registros oficiais. “A história é um campo de luta. Por muito tempo, negou-se que a África tivesse história porque não atendia aos critérios eurocêntricos de documentos escritos. Mas a oralidade é uma forma legítima de comunicação e conhecimento.”

Dutra fez questão de ressaltar a importância de ações afirmativas, como cotas raciais, que considera indispensáveis para a reparação histórica. “Todas as ações afirmativas são necessárias, e ainda são insuficientes diante do déficit histórico. Estamos falando de uma dívida que o Brasil tem com o povo negro, e não apenas com o passado, mas com o presente que perpetua desigualdades em diversas áreas.”

Encerrando sua análise, Mábio Dutra enfatizou que a luta por igualdade racial é de todos. “Não é apenas a luta do povo negro; é uma luta pela justiça em todas as dimensões. Somente enfrentando as estruturas que perpetuam a exclusão, seja na escola, no trabalho ou na sociedade, podemos construir um Brasil verdadeiramente justo e igualitário.”