Juazeiro e Petrolina se tornam o centro do debate nacional sobre agroecologia e sustentabilidade

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Evento reúne ciência, ancestralidade e arte às margens do São Francisco e projeta o Semiárido no cenário global das discussões climáticas

Juazeiro e Petrolina se tornaram, nesta semana, o epicentro brasileiro das discussões sobre agroecologia, cultura e sustentabilidade. Pela primeira vez realizado no Semiárido, o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) chega às margens do Rio São Francisco em parceria com o 3º Festival Internacional de Cinema Agroecológico (FICAECO), unindo ciência, ancestralidade e arte em um só espaço.

O evento está sendo realizado em 17 pontos da cidade de Petrolina e Juazeiro. Entre os locais estão: Orla de Juazeiro, no Centro de Cultura João Gilberto, Uneb e Univasf.

O evento reúne pesquisadores, agricultores familiares, cineastas, lideranças populares e povos tradicionais de vários países para debater o futuro dos territórios, a convivência com as mudanças climáticas e o papel da agroecologia na construção de sociedades mais justas e sustentáveis.

Para o professor Murilo de Souza, da Universidade Estadual de Goiás e coordenador de articulação institucional do FICAECO, a escolha do Vale do São Francisco para sediar o congresso representa mais do que uma localização geográfica — é um símbolo de resistência e aprendizado.

“Quando o CBA chega a um território como o do Vale do São Francisco, ele mostra a possibilidade de transformação a partir da agricultura familiar, dos povos indígenas e quilombolas. A Caatinga é um território pedagógico: ela ensina soluções para problemas globais, como a escassez de água. O Semiárido é um laboratório vivo da ciência e da prática da agroecologia”, destacou.

O pesquisador lembra que o sistema de cisternas e as tecnologias sociais desenvolvidas na região se tornaram referência mundial em conservação da água e convivência com o clima semiárido.

Um dos grandes diferenciais do congresso é o encontro entre diferentes formas de conhecimento. Segundo Murilo, a integração entre o saber acadêmico, popular, indígena e quilombola é o que dá força e identidade à agroecologia brasileira.

“Esses povos constroem conhecimento científico a partir do cotidiano, da relação com a natureza. Pensar ciência sem reconhecer essa ancestralidade é negar a própria base da agroecologia”, afirmou.

O evento, considerado o maior do país sobre o tema, acontece pela primeira vez em uma cidade do Semiárido brasileiro e segue até sábado (18), reunindo milhares de pesquisadores, agricultores, gestores públicos, estudantes e movimentos sociais de todas as regiões do Brasil.

O fórum teve como objetivo promover o diálogo e a construção coletiva de políticas públicas voltadas à agroecologia e ao desenvolvimento rural sustentável no território do Vale do São Francisco. O encontro reuniu representantes de instituições estaduais e municipais, movimentos sociais, comunidades indígenas, quilombolas e diversos grupos da sociedade civil. Entre os principais eixos debatidos estavam sustentabilidade ecológica, soberania alimentar e nutricional, produção orgânica e mercados sustentáveis, além de governança e políticas de desenvolvimento rural.

Com mais de 300 filmes inscritos de seis países, o FICAECO consolida-se como um dos maiores festivais de cinema ambiental da América Latina. Neste ano, 35% das produções são dirigidas ou produzidas por realizadores indígenas.

“O audiovisual é uma ferramenta poderosa para democratizar o debate sobre agroecologia. Ele amplia o diálogo e sensibiliza um público que talvez nunca tivesse acesso a esses temas”, explica Murilo.

O troféu deste ano homenageia o povo Xukuru, do Nordeste, reforçando o compromisso do festival com os povos originários. Na edição anterior, a honraria representava o povo Yanomami, em um gesto simbólico contra o garimpo ilegal e a devastação dos territórios indígenas.

Durante a conversa, o coordenador reforçou que a agroecologia vai muito além da produção orgânica.

“A agroecologia é ciência, prática e movimento. É uma forma de produzir alimentos saudáveis e de gerar vida. Não existe agroecologia sem feminismo, sem o debate racial, sem ancestralidade. Ela é uma alternativa ao modelo de produção que contamina solos, águas e pessoas”, afirmou.

Murilo lembra que, na prática, sistemas agroecológicos produzem mais alimentos em diversidade do que o agronegócio, além de fortalecer economias locais e garantir soberania alimentar.

Os debates realizados no congresso dialogam diretamente com a agenda global da COP 30, que acontece em novembro de 2025, em Belém (PA).

“As soluções para a crise climática estão nos territórios. A justiça climática passa pela valorização dos povos que vivem e produzem nesses lugares. O Semiárido, o Cerrado, a Amazônia, o Pampa e a Caatinga têm respostas concretas para os desafios globais”, defendeu.

A programação inclui mostras de filmes, rodas de conversa, apresentações culturais e debates sobre políticas públicas com a presença de ministros e governadores. Entre as autoridades confirmadas estão Paulo Teixeira, Wellington Dias e o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues.

“O congresso é um espaço de construção coletiva. A expectativa é que as discussões aqui resultem em políticas públicas que transformem o território e fortaleçam os povos do Semiárido”, pontuou Murilo.

Encerrando a entrevista, o coordenador reforçou a importância da união entre arte e ciência:

“A aproximação da cultura e da ciência é essencial. A arte sensibiliza, mobiliza e acelera processos de transformação social. O que está acontecendo aqui no Vale do São Francisco é mais do que um congresso — é um movimento que une o conhecimento científico à alma do povo.”