Museu de Fauna da Caatinga: quando a Taxidermia vira ponte entre Ciência, Educação e Conservação

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No hall do Museu de Fauna da Caatinga (MFC), localizado no Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), repousam mais de 60 peças de animais do bioma Caatinga, todas meticulosamente taxidermizadas pelo médico veterinário Fabrício Silva que, desde os tempos de graduação, demonstrava paixão pela arte-ciência da taxidermia. Hoje, Fabrício é o responsável por confeccionar essas peças em posturas naturais, o que confere não apenas estética, mas também realismo à exposição, transformando cadáveres de animais em instrumentos vivos de educação científica sobre a fauna da Caatinga.

As coleções taxidermizadas permitem contato direto com a fauna do bioma, algo nem sempre possível em campo ou mesmo para a maioria da população, especialmente em área urbanizada. Elas tornam visível o porte real dos animais, a textura da pelagem ou plumagem, a anatomia externa e as relações entre espécies. Mais do que isso, ajudam a sensibilizar o público sobre ameaças ambientais como a perda de habitat, a caça, as mudanças climáticas e a situação de espécies vulneráveis ou em risco de extinção. Estudos recentes mostram que, das 548 espécies de aves registradas na Caatinga, 36 estão ameaçadas de extinção segundo a Lista Vermelha do ICMBio. Dados do IBGE também apontam que o bioma abriga 481 espécies de animais em risco. Um exemplo emblemático é a jacucaca (Penelope jacucaca), ave endêmica da Caatinga classificada como vulnerável e cuja população tem diminuído em virtude da caça e da destruição de habitat.

No Brasil, a profissão de taxidermista é reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupações sob o código 3281-10, mas não há dados públicos confiáveis sobre o número de profissionais atuantes. Também não existe um curso superior universitário de referência dedicado exclusivamente à Taxidermia, mas sim cursos livres, oficinas e treinamentos práticos oferecidos em instituições privadas e universidades, como na UNIFAL-MG. O exercício da profissão exige conhecimentos multidisciplinares que envolvem anatomia, zoologia, química, museologia, ética e legislação ambiental. Soma-se a isso o desafio do acesso a materiais e equipamentos adequados, além da pouca visibilidade e reconhecimento da importância científica da Taxidermia, muitas vezes reduzida ao caráter estético ou à curiosidade. Outro ponto crucial é a legalidade: só podem ser utilizadas carcaças provenientes de óbito natural, acidentes ou resgates autorizados, sempre com a documentação adequada.

Para a coordenadora do Cemafauna, professora Patrícia Nicola, a Taxidermia é uma interseção rara e preciosa entre técnica, ciência e educação. Ela afirma que “as peças confeccionadas por Fabrício Silva não são meros objetos, mas verdadeiras pontes de aprendizagem, permitindo que estudantes, pesquisadores e o público em geral compreendam características anatômicas e ecológicas dos animais da Caatinga. Ao serem expostos em posturas naturais, os exemplares reforçam o engajamento e a empatia, estimulando a conscientização sobre a preservação de espécies listadas como vulneráveis ou em risco de extinção”, destacou. Patrícia ressalta ainda que todo o processo exige rigor técnico, desde o acondicionamento da carcaça até a curadoria museológica, garantindo tanto a educação científica quanto a sensibilização ambiental.

Já o médico veterinário Fabrício Silva relembra que seu interesse pela Taxidermia surgiu ainda durante a graduação, quando percebeu o potencial da técnica como ferramenta de ensino e conservação. “Quem me direcionou na Taxidermia foi o professor Luiz Cezar Pereira, também coordenador do Cemafauna, aprendi muito nas visitas dele à sala da Taxidermia, a cada conversa era uma aula e aprendi muito com os nossos diálogos; sem ele eu não teria conhecido a técnica. Transformar um animal que morreu em uma peça capaz de educar milhares de pessoas é uma forma de dar continuidade à vida por meio do conhecimento. Cada exemplar preparado recebe máxima atenção aos detalhes de pele, cor, padrão e postura, de modo a transmitir ao público a sensação de estar diante do animal vivo. A gente sabe que a Taxidermia demanda precisão anatômica, conhecimento científico, habilidades artesanais e respeito à legislação ambiental”, pontuou. Apesar de ser uma prática trabalhosa e pouco divulgada, ele acredita que sua contribuição para a educação científica e para a preservação da fauna da Caatinga será sempre válida.


Texto e fotos: Jaquelyne Costa

Assessora de Comunicação do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna/Univasf)