A violência doméstica segue como uma das maiores feridas sociais em Petrolina. Somente nos seis primeiros meses de 2025, 1.556 casos de violência contra a mulher foram registrados pela 3ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), segundo dados oficiais. Apesar de uma leve redução nos feminicídios — foram seis em 2024 e três até meados de julho deste ano — os números ainda revelam um cenário alarmante.
O delegado Wagner Vinícius Volpi assumiu a chefia da DEAM há cerca de 15 dias. Ele concedeu entrevista ao Nossa Voz nesta terça-feira (29), quando falou sobre os principais desafios à frente da unidade, estratégias de enfrentamento à violência e a importância de ampliar o acolhimento às vítimas.
📊 Números mês a mês:
- Janeiro: 249 casos
- Fevereiro: 243 casos
- Março: 319 casos
- Abril: 268 casos
- Maio: 233 casos
- Junho: 244 casos
Total: 1.556 casos registrados em Petrolina de janeiro a junho de 2024
Ao ser questionado sobre o início da nova gestão, o delegado foi direto ao falar das intenções à frente da delegacia:
“Assumimos a Delegacia da Mulher há aproximadamente 15 dias e temos a expectativa de manter aquilo que vem dando certo. Graças a Deus e ao trabalho conjunto dos policiais da nossa unidade, junto com a Polícia Civil, Polícia Militar, Ministério Público, Defensoria e o Judiciário, temos conquistas importantes. Mas também temos consciência de que existem falhas e deficiências que precisam ser corrigidas. Nosso papel será justamente esse: diagnosticar onde podemos melhorar e não medir esforços para garantir uma justiça mais eficaz, que comece no bom atendimento à vítima.”
Segundo Volpi, é a partir da confiança nesse atendimento inicial que a justiça começa a ser construída. “A mulher precisa sair da delegacia sentindo que foi ouvida, respeitada e protegida”, afirmou.
Quando perguntado sobre os principais tipos de violência registrados em Petrolina, o delegado fez questão de detalhar:
“Existe a violência física, como a agressão direta. Mas há outras formas de violência que são tão graves quanto e que, muitas vezes, passam despercebidas. A psicológica, que envolve humilhações, xingamentos, ameaças, chantagens. A patrimonial, quando a mulher tem seus bens ou salários controlados ou tomados pelo companheiro. A sexual, que inclui estupro, importunação, ou a prática de atos forçados mesmo dentro de um relacionamento. E a moral, como difamação e calúnia. Todas essas ocorrem frequentemente, e precisamos falar sobre elas.”
Ele reforça que o combate à violência deve partir da compreensão de que a agressão não é só física — e que muitos casos seguem naturalizados, o que aumenta o silêncio das vítimas.
O delegado destaca que o crescimento de registros nem sempre significa que a violência está piorando — mas que mais mulheres estão conseguindo denunciar:
“A subnotificação é um desafio real. Muitas mulheres ainda têm medo ou vergonha de denunciar, especialmente aquelas de maior condição social e educacional. Curiosamente, as mais vulneráveis têm mostrado mais coragem. E isso é positivo. Às vezes as pessoas dizem que a violência está aumentando porque os registros cresceram. Nem sempre. O que aumenta, na verdade, é a coragem de denunciar. E isso, para nós, é uma conquista.”
Outro ponto abordado foi a atuação da Lei Maria da Penha e as críticas que ela recebe, especialmente sobre supostos “privilégios” às mulheres. O delegado foi categórico:
“A Lei Maria da Penha é um instrumento de defesa, não de privilégio. Ela foi criada para reparar uma desigualdade histórica. Homens também são protegidos pelas leis gerais, como as de lesão corporal e tentativa de homicídio. Mas a violência doméstica contra a mulher exige uma resposta específica do Estado, porque a desigualdade física e cultural ainda existe. Se um homem for agredido por uma mulher, a atitude correta é sair de perto e procurar a delegacia. Revidar é crime. A ideia de ‘bateu, levou’ não pode ser normalizada. Em muitos casos, o homem sai da condição de vítima e passa à de agressor quando revida. A mulher já parte de uma desvantagem física. Por isso, o Estado precisa protegê-la de forma especial.”
O delegado também falou sobre o papel das mulheres na liderança policial e na estrutura de combate à violência de gênero:
“A diretora regional da Polícia Civil no Sertão é uma mulher, a doutora Isabela, que comanda com competência toda a estrutura que vai de Arcoverde a Petrolina. A Polícia Civil não diferencia homens e mulheres. O que importa é competência. Eu mesmo vim da Corregedoria-Geral e optei por estar aqui na Delegacia da Mulher porque acredito nesse trabalho. A sensibilidade é fundamental, independentemente do gênero.”
Com o aumento de casos de importunação sexual em espaços públicos e no transporte coletivo, Volpi explicou como a Polícia Civil atua nesse tipo de ocorrência:
“A Polícia Civil é investigativa. Nós não estamos nas ruas, como a Polícia Militar. Mas quando o crime chega até nós, nosso dever é investigar, identificar o autor e, se necessário, representar pela prisão preventiva. Temos feito isso e vamos continuar fazendo. A punição precisa ser visível. Quanto mais prisões, mais medo esses agressores vão ter de cometer o crime.”
Por fim, o delegado reforçou que o enfrentamento à violência contra a mulher precisa ser coletivo e constante:
“É importante que a sociedade, os serviços públicos e as vítimas estejam juntas nessa luta. Precisamos fortalecer a cultura da denúncia, da coragem, da rede de proteção. A delegacia da mulher está de portas abertas 24 horas por dia. O primeiro passo para mudar uma realidade é não se calar diante dela.”