Nesta quarta-feira (27), durante entrevista ao programa Nossa Voz, a professora Socorro Lacerda, representante da União Brasileira de Mulheres (UBM) em Petrolina, trouxe à tona a gravidade do feminicídio na região e em todo o estado de Pernambuco. Lacerda abordou números alarmantes e reforçou a urgência de ações efetivas de combate à violência contra a mulher, criticando a normalização de práticas patriarcais que sustentam a desigualdade de gênero.
Ao longo da entrevista, Lacerda destacou a importância de mobilizações como os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que se encerram em 10 de dezembro, no Dia Mundial dos Direitos Humanos. “Nós chamamos a atenção pelo direito humano de estar viva. A gente fala de viver em paz, mas pelo direito humano de estar viva, porque está aí anunciado o número alarmante de mortes de mulheres pela ONU Mulher. A cada 10 minutos, uma mulher é morta no mundo. O ano passado foram 85 mil mortes no mundo, e aqui no Brasil estamos no vergonhoso quinto lugar em mortes. Isso significa que, no ranking mundial, somos um dos países que mais matam mulheres pelo simples fato de elas serem mulheres.”
Lacerda ressaltou que a maior parte dessas mortes ocorre em um contexto de relacionamento íntimo. “Quase 70% dessas mortes têm como autoria o próprio companheiro ou ex, que se acha no direito de tirar a vida da mulher pela razão de se achar proprietário dela. Essa cultura de propriedade sobre a mulher precisa ser enfrentada.”
A professora também participou de discussões sobre as causas estruturais da violência de gênero em seminário realizado em Brasília. “O machismo é uma tecnologia do patriarcado, é uma estrutura muito maior. O machismo é a ponta do iceberg. Quando mortes são divulgadas, a reação de muitos é fazer perguntas perversas como: ‘Mas o que ela fez?’ ou ‘Ela facilitou?’. Nunca devemos fazer esse tipo de pergunta. Nenhuma mulher pede para morrer. Essa lógica precisa acabar.”
Para Lacerda, o enfrentamento ao feminicídio deve incluir políticas públicas abrangentes e eficazes, focadas em prevenção e acolhimento. “Essa violência ocorre dentro de casa e exige ações integradas nas áreas de educação, saúde, segurança e assistência social. Estamos cobrando dos governos, em todas as esferas, um planejamento mais contundente. Precisamos de políticas públicas que previnam as mortes anunciadas. O feminicídio é uma morte anunciada. Quando uma mulher é assassinada, seu algoz geralmente já sinalizou o que faria. Por isso, toda ameaça deve ser levada a sério. A mulher não deve ter pena de homem covarde. Denuncie.”
Lacerda ainda enfatizou a importância de um acolhimento adequado pelas delegacias especializadas e demais serviços de atendimento às vítimas. “Quando uma mulher chega à delegacia, ela não pode ouvir coisas como ‘vai demorar’ ou ser julgada. Ela já enfrenta uma série de obstáculos, como falta de dinheiro para transporte ou dificuldade para sair de casa. Queremos que essa rede, tão anunciada pelos governos, seja mais eficaz.”
Socorro Lacerda destacou que as mortes podem ser prevenidas com um serviço adequado e acessível. “Mortes podem ser evitadas, se ela tiver um serviço bem atendido. Saber das informações é importante. Muitas mulheres dizem assim: ‘Ah, eu não quero denunciar, mas eu preciso de uma medida protetiva’. Vai na vara da mulher. Onde é a vara da mulher? Ela funciona ali nas imediações da Avenida da Integração, perto do Hospital da Unimed”, detalhou.
A representante da UBM também abordou o papel da sociedade na luta contra a violência de gênero. “As mulheres que enfrentam violência precisam saber que não estão sozinhas. A cultura machista é cruel e perpetua ciclos de violência. Quem é vítima deve procurar ajuda, e as pessoas ao redor também podem denunciar. A Lei Maria da Penha permite que qualquer pessoa denuncie situações de violência, seja pela Delegacia da Mulher, pelo telefone 180 ou por outras redes de apoio, como a Patrulha Maria da Penha.”
Finalizando a entrevista, Lacerda fez um apelo direto aos homens para que reflitam sobre suas atitudes. “A delicadeza faz parte da macheza. Se você quer ser respeitado, respeite. Nenhuma mulher é obrigada a nada, nem mesmo no casamento. Sexo forçado é crime. O amor e o respeito devem prevalecer.”
A entrevista destacou a urgência de ações concretas e da mudança cultural para enfrentar o feminicídio e garantir que mais mulheres possam viver livres da violência. “Cada morte que evitamos é uma vitória, mas ainda temos muito a caminhar. Não podemos descansar enquanto vidas forem perdidas pela desigualdade de gênero”, concluiu Lacerda.