Fenômeno atinge tanto mães solo quanto mulheres com parceiros ausentes. Rede de apoio, políticas públicas e mudança cultural são fundamentais para o acolhimento.
A solidão materna ainda é uma realidade silenciosa e dolorosa para milhares de mulheres brasileiras. Mesmo com um parceiro ao lado, muitas vivem a maternidade de forma isolada, sem rede de apoio ou participação ativa do pai da criança. Para o psicólogo José Pinheiro Neto, coordenador do curso de Psicologia da Uninassau em Petrolina, no Sertão de Pernambuco, essa ausência de suporte tem gerado impactos profundos na saúde emocional das mães — e precisa ser discutida com urgência.
“A solidão materna pode estar presente tanto na vida da mulher que é mãe solo quanto naquela que tem um companheiro que não assume sua parte nas responsabilidades”, explica o especialista.
“É muito comum no Brasil que o peso do cuidado fique inteiramente sobre a mulher. Isso adoece.”
Segundo ele, esse cenário é agravado por dados preocupantes, como o número crescente de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. “Há uma grande quantidade de filhos sem o registro paterno. Isso mostra como ainda é comum que o homem não assuma a responsabilidade de ser pai”, pontua.
Baby blues e depressão pós-parto
A ausência de apoio durante e após a gestação pode desencadear transtornos emocionais, como o baby blues — uma tristeza passageira que afeta cerca de 80% das mulheres no puerpério — ou até mesmo a depressão pós-parto, mais grave e persistente.
“A diferença entre os dois está na intensidade e na duração. O baby blues dura no máximo 30 dias e está ligado a alterações hormonais. Já a depressão pós-parto é mais profunda e, sem tratamento, pode levar até a pensamentos extremos”, alerta José Pinheiro.
Para o psicólogo, o papel do pai também precisa ser ressignificado. “Costumo dizer que o pai não está ali para ajudar. Ajuda quem é de fora. O pai tem que estar presente e assumir sua função de forma plena, dividindo as tarefas e cuidando da criança tanto quanto a mãe.”
Autocuidado e acolhimento
Sem uma rede de apoio concreta, muitas mulheres adoecem. José destaca a importância do autocuidado como um primeiro passo para manter a saúde emocional: “Tomar um banho, escovar os dentes, se alimentar bem. Parece simples, mas é essencial. Porque para cuidar de um filho, a mãe precisa também estar bem.”
Além disso, ele reforça que o sentimento de culpa é muito comum entre as mães — principalmente aquelas que trabalham fora. “Muitas relatam que sentem culpa o tempo inteiro, pelo que fizeram e pelo que deixaram de fazer. A maternidade é atravessada por exigências e cobranças que os homens não vivem.”
Formação de profissionais e mudança social
No curso de Psicologia da Uninassau, segundo José, o tema da solidão materna é trabalhado com os alunos para que os futuros profissionais estejam preparados para acolher essas mulheres com sensibilidade e escuta ativa.
“A gente tem uma grade moderna que estimula o olhar social e político dos nossos alunos. Eles precisam entender que acolher uma mãe também é acolher uma estrutura familiar que pode estar adoecida”, afirma.
O psicólogo também critica o uso do termo “mãe solteira”, considerado ultrapassado e carregado de julgamento moral. “O termo correto é mãe solo. E existem mães solo que vivem com o pai do filho, mas sem parceria. Isso é ainda mais doloroso, porque há presença física, mas ausência afetiva e prática.”
Caminhos possíveis
A mudança, segundo ele, passa por políticas públicas mais justas, como a ampliação da licença-paternidade, mas também pela desconstrução de papéis de gênero enraizados. “Enquanto a sociedade continuar vendo o cuidado com a criança como função exclusiva da mulher, vamos continuar adoecendo mães em silêncio.”