Produtores temem queda nas exportações de manga para os EUA após tarifa de 50% imposta pelo governo norte-americano. Entrevistados ao programa Nossa Voz alertam para impactos diretos na economia regional.
Entrou em vigor nesta quarta-feira (6) o tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. A medida foi assinada pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump no último dia 30 e, apesar de prever uma lista de exceções, atinge diretamente as exportações de manga do Vale do São Francisco, que agora enfrentam a maior tarifa do mundo para entrar nos EUA.
A decisão é justificada, segundo a Casa Branca, como resposta a ações do governo brasileiro que representariam uma “ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos EUA”.
A equipe do programa Nossa Voz conversou com dois nomes diretamente envolvidos no cenário da fruticultura regional: João Ricardo, economista da Embrapa Semiárido e coordenador do Observatório dos Mercados da Manga e da Uva, e Jailson Lira, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina.
“Produtor se preparou o ano todo e foi surpreendido”
Na entrevista, João Ricardo contextualizou o cenário atual com base no calendário internacional da manga e explicou o impacto imediato da nova tarifa:
“O que acontece? A gente, para os Estados Unidos, normalmente exporta assim que termina a safra mexicana. Depois do México, vem o Brasil e, em seguida, o Equador. O México teve problemas este ano e terminou a safra mais cedo. Isso criou para o Brasil uma possibilidade de maiores ganhos. Os produtores ficaram bastante empolgados. Ninguém imaginava que, justamente no início das exportações, viria essa tarifação.”
Ele também ressaltou a complexidade da safra neste período específico:
“Os produtores se prepararam durante o ano inteiro para ter fruta na semana passada, que foi a primeira semana de exportações, a chamada semana 31. Não é fácil ter manga nessa semana, é uma das mais difíceis. E quando chegou esse momento, fomos surpreendidos pela tarifa. Isso gerou especulação de preço e alguns produtores acabaram não enviando as frutas.”
Segundo ele, dos 10 a 11 grandes exportadores da região, apenas dois realizaram embarques na semana da entrada em vigor do tarifaço. “O mercado americano ficou parcialmente desabastecido, porque o México já não tinha mais fruta e o Equador ainda não tem”, completou.
Jailson Lira também participou da entrevista e destacou o risco de superoferta de manga no mercado interno caso os embarques sejam interrompidos:
“Se o Brasil reduz o volume, os consumidores americanos terão menos fruta disponível. O que temos ouvido dos exportadores é que, com a escassez no mercado americano, há uma expectativa de os preços melhorarem. E se os preços melhoram, pode haver uma negociação com os importadores para dividir os custos dessa tarifa.”
Ele acrescenta que manter a fruta no Brasil não é viável:
“Nós não podemos deixar essa fruta aqui. Não podemos abarrotar o mercado interno nem direcionar para a Europa agora, porque a janela nos EUA está aberta e é muito boa.”
“Produtor é otimista e vai testar o mercado semana a semana”
Ainda segundo João Ricardo, o pior cenário seria não exportar nada. O melhor, reverter o tarifaço – o que, por ora, não aconteceu. A estratégia, então, tem sido “testar o mercado” semanalmente:
“O pior cenário seria a fruta ficar toda no mercado interno, derrubando os preços. Mas isso não está acontecendo. O melhor cenário também não, que seria zerar a tarifa. Então, os produtores vão antecipar os embarques, que geralmente ocorrem entre setembro e outubro, para agosto e começo de setembro. Vamos testando semana a semana. Se os preços reagirem bem, conseguimos passar esse período minimizando os prejuízos. Não será o ano de ouro que se esperava, mas talvez não seja o desastre completo.”
“Estamos tentando pressionar o governo americano via importadores”
Sobre articulações políticas, Jailson contou que o Governo Federal orientou os produtores a atuarem também junto aos importadores americanos:
“Houve uma reunião ontem entre setores do agro e o presidente Lula com o vice Alckmin. A orientação é para que os produtores pressionem os seus clientes nos Estados Unidos. A ideia é que esses importadores mostrem ao governo americano que, se não cederem na tarifa, o produto vai encarecer lá e isso pode gerar desconforto político para o governo americano. Estamos fazendo esse contato com nossos clientes para mostrar que a demanda pela manga brasileira vai aumentar, principalmente porque o México já saiu do mercado.”
Investimentos em risco?
Questionado sobre o risco de o investimento no tratamento hidrotérmico da manga se tornar inviável, João Ricardo ponderou:
“O investimento só se tornaria inviável se ninguém exportasse nada. Mas esse não é o caso. Estamos tentando minimizar os danos. O cenário não é de pânico total, mas requer cautela. Os empregos, por enquanto, estão mantidos.”
Cenário internacional e pressão comercial
João Ricardo também comentou o pano de fundo geopolítico da decisão americana:
“Os Estados Unidos estão tentando diminuir o déficit comercial, e conseguiram. Mas há também uma questão geopolítica. Os EUA sempre foram locomotiva da economia global, mas agora enfrentam a ascensão da China. O PIB chinês ainda é cerca de 60% do americano, mas cresce ano a ano. Essa disputa está por trás de tarifas como essa.”