O Tesouro Nacional apresentou nesta segunda-feira (14) uma proposta de regra mais flexível para o teto de gastos, a norma que trava as despesas federais à inflação do ano anterior. A divulgação das sugestões do Tesouro ocorre num momento em que o Congresso Nacional discute mudanças no teto para acomodar o Bolsa Família de R$ 600, além de outras despesas.
A norma sugerida pelo Tesouro admite um crescimento nos gastos acima da inflação, de acordo com o nível e a trajetória da dívida pública. A regra também concede um bônus caso as contas públicas fiquem no azul, o chamado superávit primário.
O Tesouro propõe uma grande mudança no arcabouço fiscal brasileiro. No texto, o órgão do Ministério da Economia afirma que as regras fiscais são construídas para mediar o dilema entre objetivos de curto e longo prazos: os ganhos advindos de políticas expansionistas no curto prazo devem ser comparados com os benefícios advindos da estabilidade e previsibilidade fiscal de longo prazo.
“Um Estado em boas condições fiscais permite juros, carga tributária e inflação baixos, condições necessárias para maior crescimento de longo prazo da economia. As regras fiscais buscam, assim, reduzir a margem de discricionariedade dos agentes públicos no curto prazo, para evitar que o desejo de satisfação imediata gere consequências negativas no longo prazo”, ressalta o Tesouro.
Para o Tesouro, o teto de gastos vem sofrendo alterações que têm afetado sua credibilidade. Mesmo cenário que se desenhou com a meta fiscal, a regra que prevê um resultado para as contas públicas todos os anos. Diante disso, o Tesouro sugere uma série de alterações nas regras fiscais.
A previsão é que a regra comece a valer em 2024, desde que aprovada no próximo ano. No primeiro ano de vigência, a variação das despesas será um adicional único de 2% (além da inflação) para reduzir a pressão sobre o custeio da máquina pública e os investimentos — hoje bastante comprimidos. Com isso, a base para o limite das despesas será maior. Hoje, isso significa uma alta de R$ 33 bilhões acima da inflação.
A regra prevê que a despesa seja corrigida sempre pela inflação, mas considerando também outras variáveis. Como referência, foi escolhida a dívida líquida do governo geral, menos conhecida, mas que é mais influenciada pela política fiscal do que as demais métricas de dívida — a dívida bruta, por exemplo, é sensibilizada pela venda de reservas. A dívida não seria uma meta, mas uma referência.
Em 2023, seria definida a taxa de crescimento real do limite de despesas em 2024 e 2025. Isso será feito considerando a dívida média de 2022 e compará-la à média de 2020 e 2021.
Se o diagnóstico for de redução da dívida, o crescimento real da despesa poderá ir de 0,5% até 2%. No sentido contrário, se a trajetória for de alta, o avanço dos gastos acima da inflação ficará entre 0% e 1%. Isso será determinado pelo nível da dívida. Uma dívida acima de 55% do PIB faria o crescimento das despesas ser menor. Abaixo de 45%, o governo poderá usufruir da elevação máxima permitida.
Considerando os indicadores de hoje, com a dívida média em 61,1% do PIB, mas em queda, haveria um alta inicial de 0,5% das despesas (acrescida do bônus de 2% em 2024, de maneira que os gastos poderiam crescer 2,5% acima da inflação, ou seja R$ 42 bilhões).
O ritmo de expansão do limite de despesas ainda pode ganhar um bônus de 0,5 ponto percentual sempre que as contas estiverem no azul e em trajetória de melhora.
Fim do contingenciamento
Outra novidade é o fim do chamado contingenciamento, quando despesas dos ministérios são bloqueadas para assegurar a meta fiscal devido a uma frustração na arrecadação ou alta de gastos obrigatórios. Isso acaba porque a meta fiscal deixaria de ser sancionadora. No entanto, se o governo descumprir a meta de resultado primário, precisará apresentar uma justificativa pública — a exemplo do que o presidente do Banco Central precisa fazer quando estoura a meta de inflação.
As sugestões feitas pelo Tesouro serão colocadas em discussão entre especialistas e poderão ou não ser acatadas pelo novo governo, que neste momento foca a sua atuação em abrir o espaço no Orçamento de 2023 e não nas discussões do novo teto.
Desde que o teto começou a valer, em 2016, a regra foi alterada todos os anos desde 2019. Naquele ano, o motivo foi viabilizar o leilão da chamada cessão onerosa do pré-sal. Depois, para os gastos com a pandemia, ao custo de R$ 520 bilhões. Em 2021, o teto foi alterado para o governo gastar mais em R$ 114 bilhões. Neste ano, por conta das medidas eleitoreiras de Bolsonaro, o gasto extra foi de R$ 155 bilhões.
Esses cálculos são do secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, especialista em contas públicas. Nesse contexto de discussão sobre regras fiscais, Salto desenha uma proposta cujo foco é mudar o arcabouço para um limite da dívida. (Folha PE)