“Tudo depende da condição de se unirem e pensarem na gestão”, diz pesquisador da Embrapa sobre produtores de goiaba e acerola

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“Um padrão mínimo de qualidade precisaria ser implementando e se impedir que frutas abaixo de um padrão fosse para o mercado consumidor”, diz pesquisador sobre frutas do mercado interno. Foto: Arquivo pessoal

Os pequenos e médios produtores de frutas do Vale do São Francisco vem enfrentando uma série de dificuldades em relação aos custos de produção e valor de comercialização das safras no mercado interno. Atrelado ao preço do dólar, os insumos necessários para produzir têm preços altos, o que prejudica o lucro já que os preços de venda são estabelecidos com base no Real.

Além disso, a presença dos atravessadores e a atuação isolada desses agricultores também são fatores complicadores na viabilidade de alguns cultivos como goiaba e acerola.

Em entrevista ao Nossa Voz, o doutor em economia aplicada e pesquisador da Embrapa Semiárido, João Ricardo Lima, traz algumas sugestões para mudar essa realidade e destaca a necessidade urgente de organização desse produtores em cooperativas ou associações, a fim de organizar a produção em torno de uma maior lucratividade com a atividade exercida.

BNV: Estamos acompanhando as alterações no mercado e o preço elevado dos insumos agrícolas. Por que está tão caro produzir alimentos e qual a relação disso com as taxas de câmbio praticadas no Brasil?

João Ricardo Lima: O que tem feito encarecer os alimentos é em primeiro lugar o aumento dos custos de produção, principalmente a parte dos custos com insumos que tem preços atrelados ao dólar, pois a matéria prima para fabricação é importada. Quando o dólar aumenta, o preço do insumo fica mais caro e aumenta o custo de produção. Estes aumentos acabam sendo repassados ao consumidor final. Em apenas um ano, o dólar ficou quase R$ 1 mais caro. Além disso, existem alguns alimentos que, devido a desvalorização do Real, ficam mais baratos serem exportados (soja, carne, açúcar, por exemplo) e o aumento das exportações reduz a quantidade no mercado interno e faz o preço aumentar. Assim, em resumo, é sem dúvidas a forte valorização do dólar frente ao Real que tem causado os aumentos e crescido a inflação no Brasil. O que precisa ser feito é ter mais estabilidade no país para que os investidores voltem a investir produtivamente no Brasil, trazendo mais dólares de volta e valorizando o Real, consequentemente. Outra possibilidade é aumentar as taxas de juros, o Banco Central está fazendo isso, para atrair outros tipos de investimento, no mercado financeiro, trazendo mais dólares para o país. O problema de aumentar as taxas de juros, contudo, é que desestimula a tomada de crédito seja por empresas quanto consumidores e retarda o avanço do crescimento econômico, tão necessário neste momento vivido pelo país.

BNV: Os custos de produção tem inclusive inviabilizado os pequenos produtores que reclamam bastante da falta de lucratividade com as safras colhidas. Como o você observa esse cenário apontado pelos atores desse setor produtivo? Existem alternativas econômicas que podem ser adotadas para diminuir esses prejuízos?

João Ricardo Lima: O cenário atual é muito complicado para os pequenos e médios produtores e para quem não exporta. De um lado se tem aumento nos custos de produção que tem uma parte dolarizado. Só que a receita obtida da venda das safras é em Real, não é em dólar. Assim, os custos têm efeito do dólar, mas as receitas não tem. Além disso, as receitas estão fortemente impactadas pelos preços que, em geral, estão baixos por uma crescente oferta e uma demanda estável ou até menor. Então, se tem um forte desequilíbrio no setor, tanto em relação a oferta e demanda quanto em relação a contabilidade do produtor. O momento é de estudar o mercado e fazer o dever de casa, controlar todos os custos de produção, buscar fazer ajustes, negociar preços dos insumos, para tentar manter as contas no azul. É um ciclo complicado vivido pelos produtores, mas que vai passar.

BNV: Além dos custos de produção, produtores de goiaba e acerola reclamam muito da atuação dos chamados atravessadores, que em muitos casos não oferecem um preço considerado justo por esses agricultores. Existe uma forma viável de equilibrar essa comercialização?

João Ricardo Lima: Os produtores de goiaba e de acerola são normalmente pequenos produtores isolados e que precisam se unir para fortalecer na hora da comercialização, pois terão um volume maior se formarem uma cooperativa ou associação em que possam comercializar diretamente o seu produto. É algo necessário e urgente de se fazer. Os produtores estão muito atrasados em termos de organização do setor produtivo e de gestão do seu negócio. Por isso, acabam passando tantas dificuldades e um efeito sanfona: quando cai o volume produzido, os preços aumentam e muitos plantam acerola. Depois se tem excesso de produção, os preços caem e os produtores arrancam os pés. O volume reduz, os preços melhoram e os produtores plantam de novo. Não tem sentido esse vai e vem. É melhor se organizar, definir o volume que vai ser comercializado e produzir aquele volume, que seja interessante tanto para quem vai comprar quanto para quem está vendendo. Tudo depende da condição dos produtores se unirem e pensarem na gestão.

BNV: As frutas do Vale do São Francisco além da exportação, venda no mercado interno, também abastecem a indústria nacional? Seria uma alternativa para esses produtores ampliarem as formas de escoamento dessa produção?

João Ricardo Lima: Manga e uva são vendidos em maior parte para consumo in natura, no mercado interno e externo. Coco, acerola, goiaba, banana, tem mais o foco no mercado interno e com alguma industrialização, mas em pequenas agroindústrias ainda. A não ser no caso da água de coco, onde Petrolina tem instalada a maior agroindústria processadora do Brasil. Os produtores precisam realmente melhorar o escoamento da produção, mas o primeiro foco ainda é o fruto in natura pois tem maior valor agregado. A produção tem sua comercialização muito concentrada na região Sudeste, principalmente em São Paulo. Existem outras regiões do Brasil que demandam frutas, mas é preciso abrir novos mercados quando um fica saturado. Em geral, se sabe que o brasileiro consome pouca fruta, então é preciso mais campanhas publicitárias estimulando o consumo. Parcerias com hotéis, restaurantes, bares, pousadas, para que as pessoas tenham mais opções de consumo. Escolas e creches, as privadas, mas principalmente as públicas, com compras dos governos Federal, Estadual e Municipal, com politica de preço mínimo, ajudando nos períodos de safra e fornecendo frutas para as crianças, jovens e adolescentes terem uma alimentação mais saudável do que comer salgadinhos. Enfim, ainda se tem um longo caminho no mercado interno, especificamente, a ser percorrido para a fruta in natura produzida no Vale do São Francisco.

BNV: A fruticultura irrigada no Vale do São é uma atividade consolidada e acontece há um tempo considerável. Entretanto não temos tantas indústrias locais de beneficiamento de frutas. Há um motivo identificado para isso? O que poderia ser feito para atrair investimentos nesse setor aqui para a nossa região?

João Ricardo Lima: O principal motivo para não se ter tantas indústrias é a rentabilidade. Normalmente estas indústrias de processamento precisam de um volume alto e aproveitam uma parte apenas das frutas compradas. Assim, para viabilizar o negócio, precisam comprar matéria prima por um preço muito baixo, inviável para algumas culturas. Assim, antes de se pensar nesta indústria, o Vale precisa definir um padrão mínimo de qualidade que ainda não possui. Ainda tem muita fruta de péssima qualidade que vai para o mercado, inclusive para o mercado local e regional. Frutas que, se um turista chegar na região e for em um supermercado, faz vergonha o que encontra na prateleira. É a cultura do arrastão de manga, da uva de segunda, que acabam indo para as gôndolas muitas vezes com preços de frutas de primeira categoria, mas nem deveriam estar ali sendo vendidas. Alguns ganham muito dinheiro com esse negócio, mas ao se pensar em fruticultura do Vale, é uma perda de referência de qualidade. Assim, um padrão mínimo de qualidade precisaria ser implementando e se impedir que frutas abaixo de um padrão fosse para o mercado consumidor. Este volume que sobraria, então, poderia ser enviado para abastecer as indústrias locais de beneficiamento, de processamento de frutas. Se teria, então, a matéria prima necessária para viabilizar estas indústrias que teriam atração de fazer investimentos na região, gerando mais empregos e mais renda. Contudo, para isto ocorrer, os produtores do Vale precisam modernizar seus pensamentos em termos de gestão e de comercialização, focando em valorizar as frutas de qualidade e mantendo o padrão Vale do São Francisco de frutas top.