Diante do descontrole na transmissão do novo coronavírus, o país se tornou alvo fácil da doença que se alastra pelo interior e já matou mais de 80 mil brasileiros. A dificuldade em vencer o inimigo invisível faz do país um terreno ideal para aplicar, em grande escala, as últimas fases de testes de vacinas que têm como objetivo garantir a eficácia da imunização antes de distribuir as doses para todo o mundo. Dos imunizadores mais promissores, dois estão sendo estudados e testados no Brasil. Os avanços estão sendo festejados pela comunidade científica, mas especialistas afirmam que a comemoração deve vir com cautela.
Isso porque tanto a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, quanto o imunizante do laboratório CoronaVac, na China, tiveram resultados positivos em relação à produção de anticorpos — o que não significa, porém, que elas protejam uma pessoa do vírus, como explica o infectologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, professor doutor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
No caso da vacina de Oxford, os resultados positivos foram publicados ontem em artigo científico da revista Lancet. Na fase de teste analisada, foi aplicada em um grupo de pessoas e, em seguida, os anticorpos foram extraídos; depois, em um laboratório, observou-se que eles eram capazes de matar o vírus. Os testes também garantiram que a vacina é segura. “É um passo importante, é de se comemorar. Mas não é um sinal de que amanhã teremos uma vacina. Vamos torcer para que rapidamente se prove que ela funciona na vida real”, opina.
Agora, inicia-se a fase de testes com mais pessoas que serão, de fato, expostas ao vírus. A intenção é observar se a vacina protegerá ou não os voluntários do vírus. O professor Carlos Magno, que é membro do Comitê do Coronavírus do Governo do Estado de São Paulo, explica que o estudo divide um grupo, ministra a vacina em uma parte e aplica o placebo em outra. Ao fim, é preciso que seja demonstrado que menos pessoas adquiriram a covid no grupo de pessoas vacinadas.
Para o pesquisador, a previsão é de que os testes sejam finalizados até o fim do ano. Mas para efetiva produção em massa da vacina, ele estima um prazo de 12 meses. Após a finalização da vacina, é preciso analisar como produzi-la e distribuí-la ao mundo inteiro, o que leva tempo. A vacina chinesa, segundo o professor, está em uma situação semelhante à de Oxford, sendo que a última estaria um pouco mais avançada.
Cautela
As projeções vão na mesma linha das realizadas pelo infectologista do Instituto Emílio Ribas, Jamal Suleiman, que explica que o período mínimo estimado para a vacina de Oxford é de 12 meses — pensando nos prazos necessários de logística e produção, após o imunizador estar pronto. Ele atesta que os resultados preliminares são “um grande passo na direção de um produto que pode proteger um contingente de pessoas”, mas pede cautela, explicando que “criar falsas expectativas em relação à saúde das pessoas é muito sério”. “Comemorar significa o coroamento de determinada ação, e ainda não é um coroamento”, resume.
O infectologista afirma que os resultados são “importantíssimos” para a ciência e que, agora, é o momento de avaliar a eficácia da vacina em uma população abrangente, para observar, por exemplo, se ela funciona em pessoas com comorbidades, como obesidade ou pressão alta, da mesma forma que funciona em pessoas sem qualquer doença. Além disso, os testes dirão se serão necessárias uma ou duas doses, por quanto tempo ela protege, dentre outras respostas.
Virologista e infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Nancy Bellei também avalia que ao analisar a logística necessária para distribuição, a imunização em massa só deve ocorrer em 2021. “Estamos iniciando um momento novo, mas a pandemia não acabou. Teremos que aprender a conviver com o vírus, porque ele vai continuar circulando. Conviver com esse vírus é não relaxar nas medidas, fazer a nossa parte”, orienta.
Há outras etapas importantes antes de estabelecer uma distribuição em massa da futura vacina. No acordo com a Universidade de Oxford, o Brasil produziria 30 milhões de doses, entre dezembro e janeiro. O investimento está estimado em R$ 1,58 bilhão. Um das dificuldades do Brasil, no entanto, é o desenvolvimento de uma tecnologia para ampliar a capacidade de fabricação do imunizante. Outro problema é a concorrência com outras nações que, inclusive, já fecharam acordo mesmo antes da conclusão dos testes. (Correio Braziliense)