Uma mulher que lutava para interromper a gestação de um feto sem chances de vida finalmente teve seu direito efetivado no último final de semana. Após pedido da Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA), a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) reverteu a decisão da primeira instância, que impedia o procedimento.
A mulher era acompanhada pela DPE-BA desde julho, quando estava com 22 semanas de gravidez. Os laudos médicos dela indicavam que não havia chances de vida extrauterina para o feto gestado.
Por meio de nota, a coordenadora da Especializada de Direitos Humanos e do Núcleo de Defesa das Mulheres, Lívia Almeida, comentou que a decisão veio com atraso para a mulher — o aborto só foi realizado na 27ª semana, período equivalente a sete meses. Mas, ainda assim, tem um peso histórico.
“É uma decisão muito bem fundamentada, abordou vários pontos importantíssimos, como Estado Laico e direito à saúde mental. Não é justo submeter uma mulher a algo tão cruel como gestar e parir um filho para depois enterrá-lo. Espero que ela pavimente um caminho menos doloroso para as próximas que vierem”, destacou a defensora pública.
A decisão favorável à gestante foi proferida na última quinta-feira (29), de forma unânime. A Segunda Câmara reconheceu os riscos psíquicos da imposição de uma gestação como tal.
“O risco à saúde da gestante não se vincula tão somente à higidez física, perpassando, também, por óbvio, pela saúde mental consubstanciada na imposição à mulher de manutenção da gravidez, contra sua vontade, mesmo diante de diagnóstico da inviabilidade de vida extra-uterina”, diz um trecho da sentença.
A realização do aborto havia sido impedida em primeira instância com base nos pareceres do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (Nat-Jus) e do Ministério Público da Bahia (MP-BA). Ambos divergiram dos laudos médicos e sugeriram “ausência ou divergência de elementos técnicos” que justificassem a realização.
Diante disso, foram pedidos novos exames, estendendo o tempo de espera da gestante. Ao longo desse período, a mulher enfrentava sentimentos como angústia, medo e dor, de acordo com a Defensoria.
Ao analisar o caso, a Segunda Câmara destacou que o Nat-Jus tem caráter consultivo, portanto seu parecer não poderia se sobrepor “de maneira absoluta e inconteste à estratégia terapêutica indicada pelos(as) médicos(as) responsáveis pela impetrante que, impende destacar, acompanham a sua gestação desde o começo e, consequentemente, o desenvolvimento do quadro de saúde fetal e gestacional em comento”.
Moradora de um município do interior do estado, a mulher foi encaminhada à DPE-BA com diagnóstico de feto com pulmões, rins e coração comprometidos, além da ausência de líquido amniótico. Um médico especialista em Medicina Fetal, consultado pela Defensoria, disse ainda que o feto sofria de insuficiência renal crônica irreversível.
Os exames realizados após o pedido judicial também reforçaram que o feto era “incompatível com a vida extrauterina” e destacaram que “não há necessidade de diagnóstico genético, pois o exame ultrassonográfico é definitivo, chegando à mortalidade neonatal de 90-95%”.
Atuação da DPE
Entre 2022 e maio deste ano, o Núcleo de Defesa das Mulheres (Nudem) da DPE-BA atendeu 73 casos de diagnóstico de gestação incompatível com a vida não previstos no ordenamento jurídico. A instituição afirma que a maioria das pacientes (57,5%) chegou à instituição com, pelo menos, 20 semanas de gravidez (57,5%). Os dados são do observatório de atendimento para interrupção de gestações com malformação fetal incompatível com a vida extrauterina.
Aborto legal
A legislação atual permite o aborto em três casos no Brasil: se o feto for anencéfalo (com má formação no desenvolvimento do bebê), se a gravidez for fruto de estupro ou se impuser risco de vida para a mãe. Qualquer situação além dessas, configura-se como crime.
Por isso, mulheres como a gestante atendida pelo DPE-BA precisam buscar apoio jurídico para que o procedimento seja autorizado. Junto aos exames médicos, comprovando as condições do feto, a Defensoria atuou para demonstrar que a continuidade da gravidez apenas submeteria a mulher a sofrimento.
Fonte: G1 Bahia