O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recomendou nesta sexta-feira (1º) à Prefeitura de Petrolina a adoção uma série de medidas imediatas para dar assistências às mulheres institucionalizadas do Centro de Recuperação Evangélicos Livres Para Servir (Crelps). A entidade é registrada como Organização da Sociedade Civil, prestadora de serviços socioassistenciais de saúde a mulheres em situação de dependência química.
No dia 9 de agosto, a organização foi interditada parcialmente em razão de uma série de irregularidades e violações de direitos das internas. Em uma nova inspeção, feita no dia 29 deste mês, as 3ª e 4ª Promotorias de Justiça de defesa da Cidadania de Petrolina, Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), Polícia Civil e secretarias municipais de Saúde e de Assistência social identificaram a persistência das práticas ilegais.
Durante a inspeção, foram constatadas diversas violações à saúde pública e à dignidade humana, com evidentes abusos contra as internas, como violação do direito de ir e vir, relatos de abusos de natureza física e patrimonial. Algumas internas narraram, por exemplo, terem seus benefícios assistenciais retidos pelo Crelps, bem como não ter permissão para se comunicar com o mundo exterior.
A Polícia Civil instaurou um inquérito policial para apurar a suposta prática de crimes de cárcere privado e apropriação indébita de benefício previdenciário de idosas e pessoas com deficiência.
O MPPE recomendou à prefeitura de Petrolina criar uma comissão de desinstitucionalização conjunta, composta pelas secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social; Apevisa; 8ª Gerência Regional de Saúde e Gerência de Atenção à Saúde Mental. Essa comissão deverá avaliar o caso de cada mulher atendida pelo Crelps e articular os possíveis encaminhamentos, como o retorno à convivência familiar, transferência para outro serviço da rede de atenção psicossocial ou residências terapêuticas e inclusivas.
Além disso, o MPPE recomendou ao município prestar toda a assistência às usuárias do crelps, por meio de visitas periódicas e encaminhamentos necessários.
Com relação à entidade, o Ministério Público recomendou ainda a perda da sua qualificação como Organização da Sociedade Civil e a indicação, pela gestão municipal, de um representante para acompanhar, monitorar, orientar e relatar todas as atividades desenvolvidas no âmbito do Crelps, pois a entidade está entre as que recebem incentivo financeiro mensal da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, custeado por recursos do Fundo Nacional de Assistência Social.Esse profissional deverá atuar em conjunto com a mesa diretora da entidade e, preferencialmente, ter formação e experiência em saúde psicossocial.
A recomendação também é que a Secretaria de Saúde de Petrolina informe, no prazo de dez dias, no cadastro nacional dos estabelecimentos de saúde que o Crelps está sob interdição parcial determinada pela Vigilância Sanitária Municipal.
Em nota a Comunidade Terapeutica (Crelps) informou que “a matéria publica pelo MPPE referente a fiscalização que houve no dia 29.08.2023 está equivocada, pois a imagem inicial já mostra que a facha divulgada na matéria não é a do Crelps (comunidade terapêutica) e sim a fachada temporária da ILPI (Casa de Acolhimento Crelps Loié) que apesar de conter nomes parecidos, são duas instituições com finalidades diferentes, regimentos diferentes, estatutos diferentes e cnpj”
Histórico:
As promotorias de Justiça relatam que as irregularidades identificadas no Crelps não se resumem a problemas de índole estrutural ou sanitária, mas de condutas de maior gravidade, como o desvio da finalidade institucional, descompromisso com as normas técnicas de saúde, indiferença com o adequado tratamento das internas, restrição à liberdade e comprometimento da integridade física e psicológica das pacientes.
A fiscalização do crelps começou ainda em 2020, quando foi instaurado procedimento investigatório. Desde então, o Ministério Público recebeu vários relatos de irregularidades, como internações involuntárias de idosas; convivência entre adolescentes e dependentes químicas, em desacordo com o estatuto da criança e do adolescente; internação de pacientes com distúrbios mentais e permanência de pacientes por muitos anos, em total desacordo com o perfil da unidade.
Ao longo do inquérito civil, foram relatados casos de abusos e violências físicas e psicológicas nas dependências do crelps, como agressões físicas, injeções sedativas, trancafiamento de pacientes, corte do contato com familiares, retenção de objetos pessoais e falta de itens de higiene pessoal básica.
Outras faltas gravíssimas incluem a ausência de equipe profissional de saúde permanente, relatada pela apevisa em inspeção ocorrida no mês de setembro de 2021; e a inexistência de um controle formal de medicação dispensada, visto que, segundo o relatório da Apevisa, na entidade “há estoque de medicamentos controlados sem a apresentação de registros de aquisição e receituários médicos”. No mês seguinte, outubro de 2021, foi determinada pelas autoridades de saúde a primeira interdição parcial do crelps, com a proibição da entrada de novas pacientes.
Em novembro de 2022 a vigilância sanitária de Petrolina reforçou o alerta, ao atestar que o crelps colocava em risco as pacientes alocadas na entidade.
Fonte: G1