O Senado aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 79/2016 que promove uma reforma na legislação de telecomunicações. A matéria muda a forma de exploração dos serviços de telefonia fixa, que poderão passar de concessão para autorização, e prevê a possibilidade de aplicação dos saldos dessa transição em investimentos em banda larga, além de dar mais poderes às empresas do setor para o uso das faixas do espectro de radiofrequências. A efetivação da proposta, no entanto, dependem de complexas regulamentações. A lei segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
A relatora da matéria na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado, Daniella Ribeiro (PP-PB), classificou a nova lei como um avanço. “Queremos dar ao Brasil um tempo de atualização de uma lei de mais de 20 anos, feita na lógica da telefonia fixa. Estamos criando condições para que povo brasileiro esteja pronto para a revolução tecnológica, com forte impacto econômico e social”, afirmou. O senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ) acrescentou que os recursos aplicados contribuirão para a implantação de novas tecnologias.
Com um acordo de lideranças, a maioria das bancadas votou favorável à proposta. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi voz divergente e criticou a matéria pelo repasse de infraestrutura pública empregada na oferta do serviço de telefonia às empresas, que hoje o exploram sem garantias. “Estamos entregando para as teles concessões públicas. Esse projeto faz um leilão, a doação de bens públicos sem contrapartida. É um crime de lesa-pátria nos termos em que está sendo colocado”.
Mudanças
Segundo o PLC, as empresas que adquiriram o direito de exploração da infraestrutura das redes do antigo Sistema Telebrás, por ocasião da privatização, poderão passar para um regime com menos obrigações. Os atuais contratos de concessão, que iriam até 2025, poderão, a pedido da companhia, migrar para autorizações. Com isso, deixarão de estar submetidas a controles do Estado na categoria denominada “regime público”, como metas de universalização, obrigação de continuidade e controle tarifário.
As concessionárias que optarem pela transição (Oi, Vivo Fixo, Embratel/Net, Sercomtel e Algar) serão objeto de cálculo, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para avaliar a diferença entre as receitas que receberão na nova modalidade e aquelas que aufeririam se mantida a concessão. Dentro disso estão envolvidas as redes exploradas por essas empresas na prestação do serviço, cujos valores variam.
A matéria também tira a responsabilidade da União por serviços de telecomunicações essenciais, que poderão ser prestados em regime privado. Atualmente, apenas a telefonia fixa se enquadra nessa condição, mas a Lei Geral de Telecomunicações (nº 9472/1997) concedia ao Executivo o poder de incluir outros serviços nessa categoria, o que implicaria obrigações do regime público.
Outra alteração é dar a empresas que exploram faixas de frequência (“espaços” no espectro eletromagnético utilizados, por exemplo, para a transmissão de sinal de rádio e TV, telefonia celular, serviços por satélite e internet móvel) o direito de comercializar “partes” dessas faixas, criando o que vem sendo chamado de “mercado secundário de espectro”. A companhia paga pela exploração e poderá fazer negócios com parte desse “espaço”.
Implementação
A implantação dessas mudanças, no entanto, e a concretização dos investimentos ressaltados pelos apoiadores do projeto dependem de diversas medidas do Poder Público. Entre elas estão, primeiro, as regras para a transição, que deverão ser definidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). De acordo com o secretário de Telecomunicações da pasta, Vitor Menezes, um decreto deverá ser publicado com a regulamentação.
A segunda ação é o cálculo da diferença da transição e dos bens envolvidos nos contratos. Esse ponto foi objeto de polêmica, uma vez que avaliações da Anatel, das empresas e do Tribunal de Contas da União chegaram a valores bastante diferentes, de R$ 17 bilhões a R$ 105 bilhões. Durante a tramitação do projeto, organizações mostraram o risco de aprovação sem que os valores ficassem claros.
Segundo o superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali, o saldo será projetado por uma consultoria e levará em consideração a diferença entre as receitas estabelecidas nos novos e antigos contratos a partir da aprovação até o fim da concessão, no período entre 2019 e 2025. Se o resultado for positivo às empresas, elas devolverão o montante à União, para uso em investimentos em banda larga. Pasquali argumentou que a infraestrutura não será contabilizada diretamente, mas apenas indiretamente, à medida de sua contribuição para o valor econômico do mercado.
O Ministério da Ciência e Tecnologia vai definir os critérios para a destinação dos eventuais recursos provenientes desse saldo. Na sessão de aprovação, senadores de bancadas do Norte e Nordeste defenderam que esse montante fosse direcionado aos locais com problema de conectividade, com foco nessas regiões.
O secretário de Telecomunicações do ministério afirmou à Agência Brasil que o decreto presidencial 9.612/2018 sobre o tema já estabelece algumas diretrizes, como o fomento à infraestrutura em localidades “remotas, com prestação inadequada e em situação de vulnerabilidade social”. Mas o detalhamento concreto dos recursos ainda será objeto de novos instrumentos regulatórios do Executivo.
O Sindicato das Empresas de Telecomunicações (Sinditelebrasil) comemorou a aprovação do PLC, argumentando que ele “moderniza o ambiente legal e regulatório do setor ao constituir fundamentos para a expansão da banda larga fixa e móvel”. Na avaliação do sindicato, o novo marco permitirá que “investimentos obrigatórios em soluções obsoletas, como os orelhões, passem a ser destinados à ampliação do acesso à internet em áreas sem infraestrutura adequada, visando à redução das desigualdades”.
A Coalizão Direitos na Rede, que representa mais de 30 entidades de defesa dos direitos dos cidadãos, manifestou preocupação com a implantação do projeto. A Anatel não tinha norma de controle dessas redes até 2007. Mesmo depois de aprovada a resolução de controle de bens reversíveis, como constatou o Tribunal de Contas da União em decisão de 2015, a agência continua sem o controle efetivo dos bens reversíveis.
“Estamos falando da entrega de bens vinculados aos contratos de concessão, entre eles os mais valiosos – como dutos e redes de cobre –, já avaliados pela Anatel com valor presente líquido em 2013 de R$ 71 bilhões e cujo controle pela agência foi questionado pelo TCU. Como o PLC diz que o valor da transição considerará apenas a previsão de ganhos econômicos de agora até 2025, sem as informações desde o início da exploração, em 1997, todo o patrimônio será entregue para empresas que já têm posição privilegiada concentrando mercados, sem as devidas contrapartidas econômicas, contra determinações constitucionais. O investimento tão prometido pode ser uma quantia irrisória perto do que está sendo dado às concessionárias”, diz a advogada e integrante da coalizão Flávia Lefèvre. (com informações Agência Brasil)