O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (15) suspender leis que proibiam o ensino de conteúdos sobre identidade de gênero e orientação sexual nos municípios de Petrolina e Garanhuns, em Pernambuco, e Tubarão, em Santa Catarina. A decisão foi tomada a partir do julgamento de duas ações movidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo PSOL, que questionaram a constitucionalidade das normas locais.
As ações começaram a ser analisadas pelo STF em 2020, mas o julgamento foi interrompido por pedidos de vista e retomado agora, em outubro de 2025, quando a maioria dos ministros votou pela suspensão das leis. A Corte entendeu que as normas municipais violam princípios constitucionais como a liberdade de ensinar e aprender, a igualdade e a proibição de discriminação, assegurados pela Constituição Federal.
Em Petrolina, a Lei nº 2.985/2017, de autoria do então vereador Elias Jardim (à época no PHS) e sancionada pelo ex-prefeito Miguel Coelho (DEM), proibia o ensino da chamada “ideologia de gênero” em qualquer disciplina escolar. O texto também vedava a permanência de livros ou materiais — didáticos ou não — que tratassem direta ou indiretamente do tema nas bibliotecas das escolas municipais. A norma foi aprovada com placar apertado, após ter ficado parada por meses na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Durante a leitura do voto, o ministro Alexandre de Moraes fez referência direta à lei de Petrolina e criticou o que chamou de “censura educacional incompatível com o século XXI”. Segundo ele, o caso exemplifica como medidas locais semelhantes se espalham pelo país sem respaldo legal.
“Se nós formos para Petrolina — e aqui é um grave problema, um problema histórico nos mais de 5 mil municípios brasileiros —, a associação municipalista às vezes faz um esforço de uma lei e isso acaba passando igual rastilho de pólvora em várias câmaras.
Em Petrolina, é assim: século XXI, com redes sociais e tudo, parece brincadeira que a lei diz: ‘Fica proibida na grade curricular da rede municipal de ensino da rede privada do município de Petrolina a disciplina denominada ideologia de gênero, bem como toda e qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou tente extinguir o gênero masculino ou feminino como gênero humano’. O legislador de Petrolina vive não sei onde”, afirmou o ministro.
Moraes também leu trechos do artigo que proibia a circulação de livros e materiais sobre diversidade sexual, classificando o texto como “absurdo”. Ele acrescentou que a mesma lógica se repete em Garanhuns e Tubarão, as outras cidades citadas nas ações.
“Obviamente, ninguém aqui defende que não se deva preservar a infância, que não se deva educar a infância a partir do desenvolvimento, mas preservar a infância não significa escondê-la da realidade. Todos os dias as redes sociais bombardeiam crianças e adolescentes com informações falsas sobre gênero e sexualidade. As mesmas pessoas que defendem a liberdade para o discurso de ódio nas redes querem censurar o ensino sério e responsável nas escolas”, afirmou Moraes.
O ministro destacou ainda que a exclusão de debates sobre gênero e orientação sexual nas escolas reforça o discurso de ódio contra a população LGBTIQIA+ e viola princípios constitucionais. Segundo ele, o papel da educação é justamente promover o respeito às diferenças e preparar crianças e adolescentes para viver em sociedade.
O ministro Flávio Dino acompanhou o voto de Moraes e lembrou que apenas leis federais podem tratar de temas ligados à educação, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Ele também observou que a estrutura familiar brasileira é diversa e não se limita ao modelo tradicional. Já o ministro Nunes Marques também votou pela suspensão, mas ponderou que a abordagem deve respeitar a faixa etária dos alunos, afirmando que “preservar a infância não é conservadorismo, é reconhecer que toda liberdade genuína nasce da maturidade”.
Com a decisão, as leis de Petrolina, Garanhuns e Tubarão ficam suspensas até o julgamento definitivo. Na prática, o entendimento do Supremo restabelece a aplicação das diretrizes nacionais da educação, que incluem o respeito à diversidade e aos direitos humanos como princípios fundamentais do ensino.



